sábado, 10 de março de 2012

A construção do conhecimento SEGUNDO PIAGET



Malcon Tafner, MSc
|A Organização e a Adaptação| |Os Esquemas| |A Assimilação e Acomodação| |A Teoria da Equilibração| |Os Estágios Cognitivos Segundo Piaget| |Os Estágios Cognitivos Segundo Piaget|
A Organização e a Adaptação
Jean Piaget, para explicar o desenvolvimento intelectual, partiu da idéia que os atos biológicos são atos de adaptação ao meio físico e organizações do meio ambiente, sempre procurando manter um equilíbrio. Assim, Piaget entende que o desenvolvimento intelectual age do mesmo modo que o desenvolvimento biológico (WADSWORTH, 1996). Para Piaget, a atividade intelectual não pode ser separada do funcionamento "total" do organismo (1952, p.7) :
Do ponto de vista biológico, organização é inseparável da adaptação: Eles são dois processos complementares de um único mecanismo, sendo que o primeiro é o aspecto interno do ciclo do qual a adaptação constitui o aspecto externo.
Ainda segundo Piaget (PULASKI, 1986), a adaptação é a essência do funcionamento intelectual, assim como a essência do funcionamento biológico. É uma das tendências básicas inerentes a todas as espécies. A outra tendência é a organização. Que constitui a habilidade de integrar as estruturas físicas e psicológicas em sistemas coerentes. Ainda segundo o autor, a adaptação acontece através da organização, e assim, o organismo discrimina entre a miríade de estímulos e sensações com os quais é bombardeado e as organiza em alguma forma de estrutura. Esse processo de adaptação é então realizado sob duas operações, a assimilação e a acomodação.
Os Esquemas
Antes de prosseguir com a definição da assimilação e da acomodação, é interessante introduzir um novo conceito que é amplamente utilizado quando essas operações, assimilação e acomodação, são empregadas. Esse novo conceito que estamos procurando introduzir é chamado por Piaget de esquema (schema).
WADSWORTH (1996) define os esquemas como estruturas mentais, ou cognitivas, pelas quais os indivíduos intelectualmente se adaptam e organizam o meio. Assim sendo, os esquemas são tratados, não como objetos reais, mas como conjuntos de processos dentro do sistema nervoso. Os esquemas não são observáveis, são inferidos e, portanto, são constructos hipotéticos.
Conforme PULASKI (1986), esquema é uma estrutura cognitiva, ou padrão de comportamento ou pensamento, que emerge da integração de unidades mais simples e primitivas em um todo mais amplo, mais organizado e mais complexo. Dessa forma, temos a definição que os esquemas não são fixos, mas mudam continuamente ou tornam-se mais refinados.
Uma criança, quando nasce, apresenta poucos esquemas (sendo de natureza reflexa), e à medida que se desenvolve, seus esquemas tornam-se generalizados, mais diferenciados e mais numerosos. NITZKE et alli (1997a) escreve que os esquemas cognitivos do adulto são derivados dos esquemas sensório-motores da criança. De fato, um adulto, por exemplo, possui um vasto arranjo de esquemas comparativamente complexos que permitem um grande número de diferenciações.
Estes esquemas são utilizados para processar e identificar a entrada de estímulos, e graças a isto o organismo está apto a diferenciar estímulos, como também está apto a generalizá-los. O funcionamento é mais ou menos o seguinte, uma criança apresenta um certo número de esquemas, que grosseiramente poderíamos compará-los como fichas de um arquivo. Diante de um estímulo, essa criança tenta "encaixar" o estímulo em um esquema disponível. Vemos então, que os esquemas são estruturas intelectuais que organizam os eventos como eles são percebidos pelo organismo e classificados em grupos, de acordo com características comuns.
A Assimilação e Acomodação
assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra (classifica) um novo dado perceptual, motor ou conceitual às estruturas cognitivas prévias (WADSWORTH, 1996). Ou seja, quando a criança tem novas experiências (vendo coisas novas, ou ouvindo coisas novas) ela tenta adaptar esses novos estímulos às estruturas cognitivas que já possui.
O próprio Piaget define a assimilação como (PIAGET, 1996, p. 13) :
... uma integração à estruturas prévias, que podem permanecer invariáveis ou são mais ou menos modificadas por esta própria integração, mas sem descontinuidade com o estado precedente, isto é, sem serem destruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação.
Isto significa que a criança tenta continuamente adaptar os novos estímulos aos esquemas que ela possui até aquele momento. Por exemplo, imaginemos que uma criança está aprendendo a reconhecer animais, e até o momento, o único animal que ela conhece e tem organizado esquematicamente é o cachorro. Assim, podemos dizer que a criança possui, em sua estrutura cognitiva, um esquema de cachorro.
Pois bem, quando apresentada, à esta criança, um outro animal que possua alguma semelhança, como um cavalo, ela a terá também como cachorro (marrom, quadrúpede, um rabo, pescoço, nariz molhado, etc.).
Figura 000 – Ligeira semelhança morfológica entre um cavalo e um cachorro
Notadamente, ocorre, neste caso, um processo de assimilação, ou seja a similaridade entre o cavalo e o cachorro (apesar da diferença de tamanho) faz com que um cavalo passe por um cachorro em função da proximidades dos estímulos e da pouca variedade e qualidade dos esquemas acumulados pela criança até o momento. A diferenciação do cavalo para o cachorro deverá ocorrer por um processo chamado de acomodação.

Ou seja, a criança, apontará para o cavalo e dirá "cachorro" . Neste momento, uma adulto intervém e corrige, "não, aquilo não é um cachorro, é um cavalo". Quando corrigida, definindo que se trata de um cavalo, e não mais de um cachorro, a criança, então, acomodará aquele estímulo a uma nova estrutura cognitiva, criando assim um novo esquema. Esta criança tem agora, um esquema para o conceito de cachorro e outro para o conceito de cavalo.
Entrando agora na operação cognitiva da acomodação, iniciamos com definição dada por PIAGET (p. 18, 1996) :
Chamaremos acomodação (por analogia com os "acomodatos" biológicos) toda modificação dos esquemas de assimilação sob a influência de situações exteriores (meio) ao quais se aplicam.
Assim, a acomodação acontece quando a criança não consegue assimilar um novo estímulo, ou seja, não existe uma estrutura cognitiva que assimile a nova informação em função das particularidades desse novo estímulo (Nitzke et alli, 1997a). Diante deste impasse, restam apenas duas saídas: criar um novo esquema ou modificar um esquema existente. Ambas as ações resultam em uma mudança na estrutura cognitiva. Ocorrida a acomodação, a criança pode tentar assimilar o estímulo novamente, e uma vez modificada a estrutura cognitiva, o estímulo é prontamente assimilado.
WADSWORTH diz que (1996, p. 7) "A acomodação explica o desenvolvimento (uma mudança qualitativa), e a assimilação explica o crescimento (uma mudança quantitativa); juntos eles explicam a adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas." Essa mesma opinião é compartilhada por Nitzke et alli (1997a), que escreve que os processos responsáveis por mudanças nas estruturas cognitivas são a assimilação e a acomodação.
PIAGET (1996), quando expõe as idéias da assimilação e da acomodação, no entanto, deixa claro que da mesma forma como não há assimilação sem acomodações (anteriores ou atuais), também não existem acomodações sem assimilação. Esta declaração de Piaget, significa que o meio não provoca simplesmente o registro de impressões ou a formação de cópias, mas desencadeia ajustamentos ativos.
Procurando elucidar essas declarações, quando se fala que não existe assimilação sem acomodação, significa que a assimilação de um novo dado perceptual, motor ou conceitual se dará primeiramente em esquemas já existentes, ou seja, acomodados em fases anteriores. E quando se fala que não existem acomodações sem assimilação, significa que um dado perceptual, motor ou conceitual é acomodado perante a sua assimilação no sistema cognitivo existente. É neste contexto que Piaget (1996, p. 18) fala de "acomodação de esquemas de assimilação".
Partindo da idéia de que não existe acomodação sem assimilação, podemos dizer que esses esquemas cognitivos não admitem o começo absoluto (PIAGET, 1996), pois derivam sempre, por diferenciações sucessivas, de esquemas anteriores. E é dessa maneira que os esquemas se desenvolvem por crescentes equilibrações e auto-regulações. Segundo WAZLAVICK (1993), pode-se dizer que a adaptação é um equilíbrio constante entre a assimilação e a acomodação.
De uma forma bastante simples, WADSWORTH (1996) escreve que durante a assimilação, uma pessoa impõe sua estrutura disponível aos estímulos que estão sendo processados. Isto é, os estímulos são "forçados" a se ajustarem à estrutura da pessoa. Na acomodação o inverso é verdadeiro. A pessoa é "forçada" a mudar sua estrutura para acomodar os novos estímulos.
Assim, de acordo com a teoria construtivista, a maior parte dos esquemas, em lugar de corresponder a uma montagem hereditária acabada, constroem-se pouco a pouco, e dão lugar a diferenciações, por acomodação às situações modificadas, ou por combinações (assimilações recíprocas com ou sem acomodações novas) múltiplas ou variadas.

A Teoria da Equilibração
Segundo Piaget (WADSWORTH, 1996), a teoria da equilibração, de uma maneira geral, trata de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, e assim, é considerada como um mecanismo auto-regulador, necessária para assegurar à criança uma interação eficiente dela com o meio-ambiente.
A importância da teoria da equilibração, é notada principalmente frente a dois postulados organizados por PIAGET (1975, p.14) :
Primeiro Postulado : Todo esquema de assimilação tende a alimentar-se, isto é, a incorporar elementos que lhe são exteriores e compatíveis com a sua natureza.
Segundo Postulado : Todo esquema de assimilação é obrigado a se acomodar aos elementos que assimila, isto é, a se modificar em função de suas particularidades, mas, sem com isso, perder sua continuidade (portanto, seu fechamento enquanto ciclo de processos interdependentes), nem seus poderes anteriores de assimilação.
O primeiro postulado limita-se a consignar um motor à pesquisa, e não implica na construção de novidades, uma vez que um esquema amplo pode abranger uma gama enorme de objetos sem modificá-los ou compreendê-los. O segundo postulado afirma a necessidade de um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação na medida em que a acomodação é bem sucedida e permanece compatível com o ciclo, modificado ou não. Em outras palavras, Piaget (1975) define que o equilíbrio cognitivo implica em afirmar que :
  1. A presença necessária de acomodações nas estruturas;
  2. A conservação de tais estruturas em caso de acomodações bem sucedidas.
Esta equilibração é necessária porque se uma pessoa só assimilasse estímulos acabaria com alguns poucos esquemas cognitivos, muito amplos, e por isso, incapaz de detectar diferenças nas coisas, como é o caso do esquema "seres", já descrito nesta seção. O contrário também é nocivo, pois se uma pessoa só acomodasse estímulos, acabaria com uma grande quantidade de esquemas cognitivos, porém muito pequenos, acarretando uma taxa de generalização tão baixa que a maioria das coisas seriam vistas sempre como diferentes, mesmo pertencendo à mesma classe.
Segundo WADSWORTH (1996), uma criança, ao experienciar um novo estímulo (ou um estímulo velho outra vez), tenta assimilar o estímulo a um esquema existente. Se ela for bem sucedida, o equilíbrio, em relação àquela situação estimuladora particular, é alcançado no momento. Se a criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta, então, fazer uma acomodação, modificando um esquema ou criando um esquema novo. Quando isso é feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento, o equilíbrio é alcançado.
Nesta linha de pensamento em torno da teoria das equilibrações, Piaget, segundo LIMA (1994, p.147), identifica três formas básicas de equilibração, são elas :
  1. Em função da interação fundamental de início entre o sujeito e os objetos, há primeiramente a equilibração entre a assimilação destes esquemas e a acomodação destes últimos aos objetos.
  2. Há, em segundo lugar, uma forma de equilibração que assegura as interações entre os esquemas, pois, se as partes apresentam propriedades enquanto totalidades, elas apresentam propriedades enquanto partes. Obviamente, as propriedades das partes diferenciam-se entre si. Intervêm aqui, igualmente, processos de assimilação e acomodação recíprocos que asseguram as interações entre dois ou mais esquemas que, juntos, compõem um outro que os integra.
  3. Finalmente, a terceira forma de equilibração é a que assegura as interações entre os esquemas e a totalidade. Essa terceira forma é diferente da Segunda, pois naquela a equilibração intervém nas interações entre as partes, enquanto que nesta terceira a equilibração intervém nas interações das partes com o todo. Em outras palavras, na Segunda forma temos a equilibração pela diferenciação; na terceira temos a equilibração pela integração.
Dessa forma, podemos ver a integração em um todo, segundo a teoria da equilibração como uma tarefa de assimilação, enquanto que a diferenciação pode ser vista como uma tarefa de acomodação. Há, contudo, conservação mútua do todo e das partes.
Embora, Piaget tenha apontando três tipos de equilibração, lembra que os tipos possuem o comum aspecto de serem todas relativas ao equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, além de conduzir o fortalecimento das características positivas pertencentes aos esquemas no sistema cognitivo.
Os Estágios Cognitivos Segundo Piaget
Piaget, quando descreve a aprendizagem, tem um enfoque diferente do que normalmente se atribui à esta palavra. Piaget separa o processo cognitivo inteligente em duas palavras : aprendizagem e desenvolvimento. Para Piaget, segundo MACEDO (1994), a aprendizagem refere-se à aquisição de uma resposta particular, aprendida em função da experiência, obtida de forma sistemática ou não. Enquanto que o desenvolvimento seria uma aprendizagem de fato, sendo este o responsável pela formação dos conhecimentos.
Piaget, quando postula sua teoria sobre o desenvolvimento da criança, descreve-a, basicamente, em 4 estados, que ele próprio chama de fases de transição (PIAGET, 1975). Essas 4 fases são :
  • Sensório-motor (0 – 2 anos);
  • Pré-operatório ( 2 – 7,8 anos);
  • Operatório-concreto ( 8 – 11 anos);
  • Operatório-formal (8 – 14 anos);
Sensório-motor
Neste estágio, a partir de reflexos neurológicos básicos, o bebê começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio (LOPES, 1996). Também é marcado pela construção prática das noções de objeto, espaço, causalidade e tempo (MACEDO, 1991). Segundo LOPES, as noções de espaço e tempo são construídas pela ação, configurando assim, uma inteligência essencialmente prática.
Conforme MACEDO (1991, p. 124) é assim que os esquemas vão "pouco a pouco, diferenciando-se e integrando-se, no mesmo tempo em que o sujeito vai se separando dos objetos podendo, por isso mesmo, interagir com eles de forma mais complexa." Nitzke et alli (1997b) diz-se que o contato com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento.
Exemplos:
O bebê pega o que está em sua mão; "mama" o que é posto em sua boca; "vê" o que está diante de si. Aprimorando esses esquemas, é capaz de ver um objeto, pegá-lo e levá-lo a boca.
Pré-operatório
É nesta fase que surge, na criança, a capacidade de substituir um objeto ou acontecimento por uma representação (PIAGET e INHELDER, 1982), e esta substituição é possível, conforme PIAGET, graças à função simbólica. Assim este estágio é também muito conhecido como o estágio da Inteligência Simbólica.
Contudo, MACEDO (1991) lembra que a atividade sensório-motor não está esquecida ou abandonada, mas refinada e mais sofisticada, pois verifica-se que ocorre uma crescente melhoria na sua aprendizagem, permitindo que a mesma explore melhor o ambiente, fazendo uso de mais e mais sofisticados movimentos e percepções intuitivas.
A criança deste estágio:
  • É egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se colocar, abstratamente, no lugar do outro.
  • Não aceita a idéia do acaso e tudo deve ter uma explicação (é fase dos "por quês").
  • Já pode agir por simulação, "como se".
  • Possui percepção global sem discriminar detalhes.
  • Deixa se levar pela aparência sem relacionar fatos.
Exemplos:
Mostram-se para a criança, duas bolinhas de massa iguais e dá-se a uma delas a forma de salsicha. A criança nega que a quantidade de massa continue igual, pois as formas são diferentes. Não relaciona as situações.
Operatório-concreto
Conforme Nitzke et alli (1997b), neste estágio a criança desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, casualidade, ..., sendo então capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Apesar de não se limitar mais a uma representação imediata, depende do mundo concreto para abstrair.
Um importante conceito desta fase é o desenvolvimento da reversibilidade, ou seja, a capacidade da representação de uma ação no sentido inverso de uma anterior, anulando a transformação observada.
Exemplos:
Despeja-se a água de dois copos em outros, de formatos diferentes, para que a criança diga se as quantidades continuam iguais. A resposta é afirmativa uma vez que a criança já diferencia aspectos e é capaz de "refazer" a ação.
Operatório-formal
Segundo WADSWORTH (1996) é neste momento que as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento. A representação agora permite à criança uma abstração total, não se limitando mais à representação imediata e nem às relações previamente existentes. Agora a criança é capaz de pensar logicamente, formular hipóteses e buscar soluções, sem depender mais só da observação da realidade.
Em outras palavras, as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas.
Exemplos:
Se lhe pedem para analisar um provérbio como "de grão em grão, a galinha enche o papo", a criança trabalha com a lógica da idéia (metáfora) e não com a imagem de uma galinha comendo grãos.

Obras do educador Paulo Freire:


• A propósito de uma administração. Recife: Imprensa Universitária, 1961.
• Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. Estudos Universitários – Revista de Cultura da Universidade do Recife. Número 4, 1963: 5-22.
• Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967.
• Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1970.
• Educação e mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1979.
• A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez Editora, 1982.
• A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991.
• Pedagogia da esperança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.
• Política e educação. São Paulo: Cortez Editora, 1993.
• Cartas a Cristina. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1974.
• À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora Olho d’Água, 1995.
• Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
• Mudar é difícil, mas é possível (Palestra proferida no SESI de Pernambuco). Recife: CNI/SESI, 1997-b.
• Pedagogia da indignação. São Paulo: UNESP, 2000.
• Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

FEUERSTEIN, VYGOTSKY e PIAGET


Patricia Trigo patricia_trigo@yahoo.com.br

Esse artigo traz algumas características comuns e distintas de três grandes nomes da Educação. Através de seus trabalhos, eles apresentam teorias e modelos de intervenção que acreditam ser eficientes. Independente dos diferentes pontos de vista, todos concordam que todo e qualquer aluno é capaz de aprender em esquema de cooperação.

Vygotsky defende que a interseção entre o homem e o seu meio sócio-cultural é formador das características humanas. Ao mesmo tempo que o ser humano transforma o seu meio para atender às suas necessidades, transforma-se a si mesmo. Ele ressalta ainda que: “quando o homem modifica o ambiente através do seu próprio comportamento, essa mesma modificação vai influenciar seu comportamento futuro”. (Luria et alli REGO, 1995; pp. 41)
Vygotsky afirma ainda que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta pois ela é mediada por meios que são ferramentas criadas exclusivamente pelo próprio homem. Este autor atribui importância à dimensão social que fornece instrumentos que medeiam a relação do indivíduo com o mundo, fornecendo também formas de agir. E é por isso que ele vai destacar a relação entre desenvolvimento e aprendizagem.
O autor identifica o nível de desenvolvimento real, que são as conquistas já efetivadas, e o nível de desenvolvimento potencial, que é o que a criança é capaz de fazer perante a ajuda de um mediador, seja ele um ser humano ou não.
A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma e o que ela realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo, é o que Vygotsky chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Esta última é o espaço onde ocorre a aprendizagem.
Feuerstein interpreta o desenvolvimento cognitivo como decorrente de duas formas de interação das crianças com seu meio: por um lado, ela aprende e se desenvolve por meio da percepção, assimilação e processamento direto dos estímulos existentes ao seu redor. Por outro lado, a criança aprende através da mediação cognitiva das pessoas. O próprio autor define este conceito:
Por meio do conceito da experiência da aprendizagem mediada nós nos referimos à forma como os estímulos emitidos pelo meio são transformados por um agente mediador, usualmente um pai, um irmão ou outra pessoa do círculo próximo da criança. Este agente mediador, motivado por suas intenções, cultura e envolvimento emocional, seleciona e organiza o mundo dos estímulos para a criança. O mediador seleciona os estímulos que são mais apropriados e então os filtra e organiza; ele determina o surgimento ou desaparecimento de certos estímulos e ignora outros. Através deste processo de mediação, a estrutura cognitiva da criança é afetada. (Feuerstein, 1994 pp. 15-16 et alli GOMES, 2002 pp.72)
Para Feuerstein, em vez de uma interação aleatória com os estímulos do meio, o mediador ajuda o aluno a processar adequadamente aqueles aspectos significativos para seu crescimento intelectual. Este autor interpreta a Experiência da Aprendizagem Mediada como fundamental para o desenvolvimento cognitivo da criança, aproximando –se do conceito cultural da inteligência de Vygotsky.

http://www.fundacaoaprender.org.br/feuerstein_vygotsky_piaget

CONCEPÇÕES E TENDÊNCIAS DA PEDAGOGIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE



Silvania Mendonça Almeida Margarida


Resumo


Este artigo científico versa sobre o sentimento da educação libertadora de Paulo Freire, numa interligação com a vida funcional do educando e com a filosofia da educação. Demonstra que a aprendizagem é uma decorrência espontânea da leitura do mundo, além das teorias e das escolas tradicionais e dogmáticas. Trata-se de um estimulador ao pensamento concepcional de Paulo Freire, sendo que tendências libertadoras podem ser o ideário de uma pedagogia nova, coadjuvante do processo de humanização das ciências humanas e educacionais das quais a práxis educacional faz parte.

Palavras-chave: pedagogia libertadora, concepções educacionais, escola tradicional, filosofia da educação


Introdução

A educação é prática social que ocorre nas diversas instâncias da ciência. Seu objetivo primordial é a harmonização dos homens, em seus valores ético-morais. Fazer seres humanos participantes dos frutos e da construção civilizatória eleva a educação num patamar de humanização que assegura a existência em seus apegos e interesses numa unidade dialética com a cultura e a própria sociedade.

Torna-se necessário esclarecer que as relações sociais não são unívocas, iguais, mas expressam uma leitura do mundo que vai além de ensinos teóricos, históricos e heurísticos. A educação é também serviço que, às vezes, é alterada pelo homem em suas circunstâncias primeiras: o papel de educar. Nesta doutrina materialista, um educador brasileiro, prefigurou idealmente um resultado de melhoria da escola. Fazer uma leitura do homem em seus aspectos de produção de conhecimento, na formação de conceitos culturais, hipóteses e crítica, para que este mesmo homem pudesse se libertar das atividades medidas exclusivamente pela teoria.
O educador Paulo Freire trouxe à baila da educação brasileira uma atividade revolucionária, meditada por uma relação consciente e libertadora.

A Escola tradicional e a educação libertadora de Paulo Freire

A Pedagogia tradicional dos nomeados “sistemas nacionais de ensino” data do início do século passado. Sua organização inspirou-se no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado. Na verdade, o direito de todos correspondeu aos interesses de uma nova classe social que se consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de uma sociedade que necessitava vencer a barreira da ignorância. Só a escola tradicional, imbuída de preceitos e determinada lógica de ensino,  poderia tornar individuos em cidadãos livres e esclarecidos, ilustrados. Após denso regime estatal,  a escola se torna um instrumento catalisador para converter “pessoas ignorantes” em cidadãos que viveram a miséria moral, a opressão e a miséria política na linearidade da história da educação brasileira.

A teoria pedagógica mencionada, anteriormente, correspondia à educação tradicional e à organização da escola. Todas as iniciativas cabiam ao professor. Assim, a escola era fundamentada na organização de classes. No decorrer dos tempos, tal metodologia de ensino foi uma crescente decepção. Alunos de todas as idades ingressavam na escola e nem sempre eram bem sucedidos. Alunos passaram a viver a mercê de uma escola não concatenada com o meio ambiente, com a transversalidade, com os parâmetros curriculares (criados muito tempo depois) e a filosofia da educação era  precária e desajustada.

Assim, a ampla penetração da escola tradicional teve infinitas experimentações negativas no decorrer do processo cronológico. No Brasil, foi voz corrente durante bom tempo que os aspectos teóricos da escola puderam ser separados dos aspectos pragmáticos. Tudo caminharia de acordo com as metas definidas. Mas não deu certo. Houve retrocessos e o processo ensino-aprendizagem não movimentou a compreensão da realidade humana no  que tange aos limites educacionais.

 Foi imperativo transformar a vida da escola. A escola deveria promover a reconstrução crítica do pensamento e da ação, apostar nas vivências dos grupos e da coletividade escolar. Novas adesões que fugia ao pensamento tradicional foram abarcadas por educadores. Havia uma grande convergência de pontos de vista, quanto à necessidade de abrir novos caminhos em educação. Um deles foi o caminho trilhado pelo educador Paulo Freire.

De acordo com a interação social pautada por Paulo Freire (2001),  pode-se articular que  a metodologia do educador tem no campo da educação um elo multidisciplinar, com as mais diversas disciplinas e com enfoques que pluralizam a leitura do mundo, emitem novos significados aos jogos de linguagem, cerceando a busca de harmonia no reduto escolar, conexidade com representações de vida real, reciprocidade e harmonia ao lado de outras disciplinas que arrolam o  processo  ensino-aprendizagem.

O principal objetivo de Freire é refletir e reflexionar o conceito de limite tão utilizado na escola tradicional. Pensar no seu sentido restritivo e tão pouco produtivo. Para o educador escola não tem fronteiras, é a aprendizagem da vida. A maturidade e a excelência são a construção do desenvolvimento infantil, juvenil, adulto e libertário, no que tange a educação diferenciada e interdisciplinar. No pensamento de Freire educação é o soldo e o saldo de experimentações positivas além escola. Por certo, o homem ao mudar sua trajetória vivencial, muda também seus aparatos de aprendizagem. Portanto, o professor se torna se o educador, o facilitador das plenas aprimorações que a sociedade propõe. Necessário se faz resgatar as mudanças e adequá-las em novas diretrizes de uma educação mais eficaz.

É preciso limpar a velha escola das atividades que não contribuem para a saúde mental, social e afetiva do educando. Importante é fortalecer o pensamento de que não existe idade para a educação. Crianças, jovens e adultos, no pensamento de Paulo Freire (2001) poderão expressar-se inteligentemente por meio da linguagem e de outros instrumentos e ferrramentas que ajustam a educação. Quando Freire coadunou a educação libertadora com novas tendências pedagógicas, ele, já em sua época, era um educador futurista. Anos depois, as ferramentas tecnológicas e pragmáticas confirmaram a libertação do modelo tradicional, num sentido construtivista e interacional. (VYGOTSKY, 2005, PIAGET, 1998). Todo este movimento cresceu concomitantemente com o desenvolvimento da afetividade que Freire detinha em amor e lucidez pela educação. Um educador que é reconhecido internacionalmente, que contribuiu e contribui para novos passos pedagógicos de um país emergente, onde a cidadania é considerada hipotética e a educação não é autonomia de libertação. .
Assim, em primeira instância, pode-se espelhar que a educação libertadora é um hábil instrumento pedagógico que pode agregar posturas positivas à comunicação e à socialização gradativa do estudante, não importando aí a idade, mas sim o compromisso de uma nação e de um país na  primazia educacional.
Pela educação, nos dizeres de Freire (2001), o estudante assimila atitudes, valores sociais, morais e políticos. Pode-se também inferir que a relação cultural está abrangida na proposta de engajamento de inclusão social que a educação libertadora propõe. Não há como não corroborar a idéia elucidativa de que os jogos pedagógicos são um grande aparato da comunicação educacional de estudantes brasileiros.
Valter Machado Fonseca (2007)  afirma que a prática crítico-educativa proposta pela educação libertadora de Paulo Freire, pode servir de importante instrumento de emancipação do homem diante da opressão, pois, ela aponta no sentido da intervenção prática no ambiente do cotidiano escolar, de forma dinâmica, transformadora, considerando, a todo instante, a realidade concreta, singular e peculiar de cada educando. Ainda, segundo Fonseca (2007) a proposta de Freire sempre teve em pauta por considerar as experiências que cada educando já traz de seu ambiente extra-escola, utilizando-as para estimular uma nova práxis educacional. Isso, em última instância, contraria o modelo de educação proposto pelos opressores: uma educação sem arestas que desconsidera as diferenças entre os sujeitos, as diversidades sociais, as peculiaridades próprias de cada indivíduo, enfim, afirma supostamente iguais os diferentes.

Ao pensar na teoria de Paulo Freire (2001), refletimos nosso trabalho na educação libertária como um elo cultural que pode propagar na vida profissional de cada indivíduo. Pensando numa pedagogia da liberdade como uma “pedagogia da autonomia”, podemos ver a questão da disciplina na escola, na relação professor-aluno relacionada à autoridade, ao bom senso e à amorosidade do professor. As palavras desse educador vislumbra o ato de educar de qualquer indivíduo, não diferentemente em suas expressões planejadas, numa educação diferenciada.

Educar e educar-se para a vida são imprescindíveis para a realização humana. Para Paulo Freire a tônica era a efetivação dos instrumentos pedagógicos, ou seja, despertar no educando o interesse da real informação, de modo que a visão global e mais profunda do alvo a ser encontrado  correspondesse ao equilíbrio entre o “querer” e o “acontecer”. Efetivar, outrossim, o entusiasmo pela universalização da educação em seu potencial disciplinar e curricular.

Filosofia da educação e as tendências educadoras libertadoras de Paulo Freire

Os homens, no estudo de si mesmos e da sociedade, podem se deixar influenciar por um conjunto de idéias que aprenderam, pelas crenças que adotam, pelos valores que aceitam. Ao acatar a idéia centralizadora da sociedade, o conjunto de idéias a serem vivenciadas, a filosofia da educação é contributiva em seu papel comportamental.

Os autores Alexandre Becker e Osmar Ponchirolli  (s.d.) destacam que:


     A constituição do pensamento de Paulo Freire tem como lócus principal o Brasil e a América Latina da década de 1960. Antes de anunciar a presença de Paulo Freire como educador, faz-se necessário contextualizá-lo como homem. Diga-se um "percebedor" da realidade por sua condição de pobre, nordestino e brasileiro. Sua luta e presença baseiam-se na categoria "opressão", principalmente, por ter sido um homem que fez uma leitura concreta do mundo do oprimido, da complexidade da relação oprimido e opressor, para, finalmente, propor uma pedagogia libertadora que consiste em uma educação voltada para a conscientização da opressão (pedagogia do oprimido) e a consequente ação transformadora. Para ele, a luta dos oprimidos e sua libertação estão, como observarmos no pensamento gramsciano, diretamente conectadas à percepção dessa situação opressora/alienante e a criação de alternativas a essa situação.



No que abarca a filosofia da educação, Paulo Freire cria tendências futuristas e originais. Freire (2001) destacava:



Que a transitividade ingênua precisa ser promovida pela educação à crítica, a qual, fundando-se na razão, não deve significar uma posição racionalista, mas uma abertura do homem, através de que, mais lucidamente, veja seus problemas. Posição que implica a libertação do homem de suas limitações, pela consciência dessas limitações (FREIRE, 2001, p. 113 e 114)



O Brasil é um país em  desenvolvimento, portanto, segregado no que diz respeito à educação. Alexandre Becker e Osmar Ponchirolli (s.d.) ainda postulam que:


Percebemos em Paulo Freire que significamos o mundo na relação com o outro. No processo de globalização a relação com o outro passa pelo local e se amplia para o universal e não vice-versa. [...] Devemos muito a filosofia da educação de Paulo Freire, até em nível mundial. Não podemos colocar Paulo Freire no passado. Ele foi muito original sobretudo porque despertou nas pessoas a crença na sua capacidade de "mudar o mundo", de ler o mundo para escrever o mundo.



Se o objeto da filosofia da educação é o conhecimento da realidade, pode-se prelecionar a importância que a leitura de Paulo Freire é apoiada por uma palavra coletiva. Todos necessitam da crença e das tendências libertadoras de mudar o conhecimento de uma realidade pungente e provocante, que tenha um enfoque crítico, provando e suscitando busca de soluções criativas para atingir os fins da educação libertadora.
Segundo José Luiz de Paiva Bello (1993):

Para Paulo Freire o diálogo é o elemento chave onde o professor e aluno sejam sujeitos atuantes. Sendo estabelecido o diálogo processar-se-á a conscientização porque:

          a. é horizontalidade, igualdade em que todos procuram pensar e agir criticamente;
          b. parte da linguagem comum que exprime o pensamento que é sempre um pensar a partir de uma realidade concreta. A linguagem comum é captada no próprio meio onde vai ser executada a sua ação pedagógica;
          c. funda-se no amor que busca a síntese das reflexões e das ações de elite versus povo e não a conquista, a dominação de um pelo outro;
          d. exige humildade, colocando-se elite em igualdade com o povo para aprender e ensinar, porque percebe que todos os sujeitos do diálogo sabem e ignoram sempre, sem nunca chegar ao ponto do saber absoluto, como jamais se encontram na absoluta ignorância; e. traduz a fé na historicidade de todos os homens como construtores do mundo;
          f. implica na esperança de que nesse encontro pedagógico sejam vislumbrados meios de tornar o amanhã melhor para todos e,
          g. supõe paciência de amadurecer com o povo, de modo que a reflexão e a ação sejam realmente sínteses elaboradas com o povo.


Com Freire, ontem, hoje e no futuro, a reflexão pedagógica já avançou o suficiente para perceber que há uma visão idealista da escola tradicional que não vigora mais.
É importante considerar que a educação para o autor é um processo dinâmico e complexo, envolvendo muitas variáveis não controláveis.

Segundo Freire (1994), trabalhar com a educação libertária é aprender e ensinar as pessoas a conhecerem seu corpo, sua natureza, sua originalidade única de ser. O seu conceito de educação libertária tem a ver com a qualidade de vida, com a saúde que deve apontar para o desenvolvimento da criatividade que traga a construção de uma sociedade livre e justa em que o ato de viver não se limite apenas a sobreviver.

Metodologia

Este trabalho corrobora o pensamento crítico de Paulo Freire, num sentido observacional, com a técnica de pesquisa bibliográfica, com pesquisa exploratória e qualitativa,  procurando dar cientificidade às nossas opiniões, balizadas pela obra do educador e seus seguidores, principalmente no tange à Filosofia da Educação.

Conclusão

Entendemos que a conclusão deste trabalho sempre será provisória, diante das novas expectativas que surgem na filosofia da educação e a tendência libertadora de Paulo Freire. Para o educador o “real não se congela”. Novos experimentos demonstrarão a crítica positiva que o legado de Paulo Freire validou. Daí não há como limitar o que de si já é ilimitado.

À guisa das considerações finais, pode-se perceber que a atividade humana teórica e a atividade humana prática podem se estabelecer em uma unidade transformadora. Se a teoria muda o mundo por intermédio da educação, a tradição prática tem elementos cognoscitivos e teológicos para complementar a esperança e o amor que Freire dedicou em seus engendramentos educacionais.

A educação é contígua, construção e reconstrução do real, tem múltiplos olhares e determinações. Ou seja, Paulo Freire, ao assumir uma leitura de mundo diferenciada, tratou desigualmente os iguais e igualmente os desiguais. Impetrou a ênfase do deslocamento da vida do indivíduo escola-família-sociedade. Este aspecto trifásico que podem ser construídos, historicamente, será levado pelas teorias progressistas em âmbito global, para outras gerações.. Já não há como separar a redescoberta do mundo escolar e do mundo ambiental, do universo planetário com a concretude profissional.

Por fim, há de se considerar que o “transformador” Paulo Freire implantou novos conhecimentos na educação que estão vinculados à prática cotidiana. Dessa forma, o facilitador, o professor, o filósofo da educação, o alunado terão pela frente uma nova perspectiva, a escola renovada, um fazer educativo político e literalmente construído, com capacidade de mudar o mundo, eliminando a “pedagogia do oprimido”.








REFERÊNCIAS


BECKER,  Alexandre;  PONCHIROLLI, Osmar. O papel da filosofia na educação para o desenvolvimento sustentável. Disponível em: http://www.unifae.br/publicacoes/pdf/sustentabilidade/alexandre_osmar_editorado.pdf  Acesso em: 26 out. 2009.
BELLO,  José Luiz de Paiva. E uma nova filosofia para a educação (1993). Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/per01.htm  Acesso em: 23 out. 2009.
FONSECA , Valter Machado.  (2007). Paulo Freire e a educação libertadora. Disponível em: http:/www.destaquein.sacrahome.net/node/348  Acesso em: 23 out. 2009.
FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água,1995.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


PAULO FREIRE

Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Isso significa, em relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro de Freire se intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.

Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alunos, Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as "escolas burguesas"), que ele qualificou de educação bancária. Nela, segundo Freire, o professor age como quem deposita conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para Freire, de uma escola alienante, mas não menos ideologizada do que a que ele propunha para despertar a consciência dos oprimidos. "Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade", escreveu o educador. Ele dizia que, enquanto a escola conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a educação que defendia tinha a intenção de inquietá-los.
revistaescola.abril.com.br/.../mentor-educacao-consciencia-423220.s.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Monografia sobre Paulo Freire e Piaget - Daniele Fortes Martin

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências
Campus de Bauru
DANIELE FORTES MARTIN
A APRENDIZAGEM EM PAULO FREIRE E PIAGET
BAURU
2007

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências
Campus de Bauru
DANIELE FORTES MARTIN
A APRENDIZAGEM EM PAULO FREIRE E PIAGET
Trabalho apresentado como exigência parcial
para a Conclusão do Curso de Pedagogia da
Faculdade de Ciências UNESP – campus de
Bauru sob a orientação do Prof Dr Marcelo
Carbone Carneiro.
BAURU
2007
3
Agradecimentos
À Deus pela vida,
dom divino que me possibilita experienciar muitas coisas boas.
Ao professor Dr. Marcelo Carbone Carneiro,
por seu esforço e paciência ao orientar o presente trabalho.
À professora Dra. Eliana Zanatta,
pela dedicação em auxiliar a todos os alunos em suas dificuldades e também por participar
da minha banca examinadora.
À professora Dra. Maria Antônia Vieira Soares,
por participar de minha banca examinadora.
Aos professores do curso de Pedagogia,
por transmitirem princípios para a minha formação.
Aos meus pais,
que mesmo sem entender a formação acadêmica sempre me apoiaram.
Às minhas amigas,
Que sempre torceram por mim.
.
4
Dedicatória
À meus pais, José Luiz e Cristina.
À meus irmãos, Juliano e Fernanda.
À minha tia Fátima e a minha prima Lívia.
À meu namorado, Paulo.
5
RESUMO
No processo de construção do conhecimento é necessário conhecer os constituintes
epistemológicos que fundamentam o conceito de conhecimento e que oferecem recursos
teóricos para a prática pedagógica.
Norteados por esta necessidade trabalhamos as perspectivas de conhecimento do pedagogo
Paulo Freire e do epistemólogo Jean Piaget, suas semelhanças e consecutivamente suas
críticas aos modelos de construção do conhecimento.
Os objetivos do trabalho foram: estudar a teoria de Jean Piaget e expor às criticas aos
modelos tradicionais de educação; estudar a teoria de Paulo Freire e expor às críticas a
pedagogia bancária; e após estes estudos estabelecer aproximações ou não entre as teorias
freireana e piagetiana.
Após concluirmos o primeiro e segundo objetivo, podemos afirmar que há semelhanças
entre as teorias propostas para o estudo teórico.
PALAVRAS CHAVES: Jean Piaget, Paulo Freire, pedagogia tradicional, pedagogia ativa
e pedagogia progressista.
6
Sumário
Introdução 7
1. Metodologia 9
2. A Noção de Aprendizagem em Jean Piaget 11
2.1 O Método Empírico X Método Ativo 16
3. A Noção de Aprendizagem em Paulo Freire 32
3.1 A Pedagogia Bancária X Pedagogia do oprimido 37
4. Aproximações entre a teoria de Piaget e Paulo Freire 44
5. Considerações Finais 50
REFERÊNCIAS 52
7
INTRODUÇÃO:
Os educadores necessitam ser conhecedores das teorias que norteiam sua prática.
Especificamente sobre as questões que envolvem o processo de ensino-aprendizagem. A
pesquisa que realizamos estudou as teorias de Jean Piaget e Paulo Freire. O objetivo da
escolha dos autores foi analisar as semelhanças que podem existir entre ambos.
Ambos influenciaram a educação brasileira com contribuições significativas para
pensarmos a aprendizagem. No entanto, Jean Piaget e Paulo Freire são criticados (de forma
superficial e ingênua) por suprimir o papel do professor, evidenciar o aluno como centro de
todo processo de construção do conhecimento e por desconsiderar os conteúdos
acadêmicos. Segundo essa leitura, o aluno estuda quando quer, o que quer e como quer.
Além disso, aparece a crítica política frente às concepções sobre a educação dos piagetianos
e dos freirianos.
Para suprir as necessidades almejadas neste trabalho estudaremos textos de Jean
Piaget e de Paulo Freire e também textos que fazem referências a estes teóricos da
educação, com o intuito de desmistificar as idéias que não condizem com a real tese destes
pensadores.
No primeiro capítulo trabalhamos com as concepções de Piaget sobre a
aprendizagem. Exploramos os conceitos biológicos básicos que explicam a construção do
conhecimento. Desenvolvemos suas perspectivas sobre a teoria empirista e confrontamos
com a metodologia que defende que é o método ativo.
No segundo capítulo exploramos a visão de Freire sobre as questões que norteiam a
educação. Trabalhamos as relações dialéticas existentes entre homem-mundo, educador8
educandos, ação-reflexão. Estudamos algumas obras a fim de verificar as diferenças entre a
pedagogia bancária e a pedagogia do oprimido.
No terceiro capítulo é o momento de união entre as duas teses. Analisamos as
possíveis semelhanças existentes entre as teorias de Jean Piaget e Paulo Freire frente a
concepção de aprendizagem e a metodologia tradicional.
9
1. METODOLOGIA
A pesquisa, por ser de caráter teórico, foi realizada fundamentalmente através de
análise de textos. Optamos por uma maneira clássica de interpretação de textos, que busca a
ordem interna das razões levantadas pelo autor. Na análise do texto, busca-se atingir as
justificações que um autor dá de seu próprio sistema (ordem das razões levantadas por ele).
Portanto, a metodologia adotada é a de interpretação do texto buscando re-apreender,
conforme a intenção do autor, a ordem das razões e sem jamais separar as teses dos
movimentos que as produziram (conforme a intenção de seu autor).
No primeiro momento nos atemos a estudar os textos de Jean Piaget, dada a
complexidade e abrangência de sua obra. Pesquisamos também autores que possibilitassem
uma maior compreensão de sua tese. Por conseqüência estas leituras originaram o primeiro
capítulo denominado A noção de aprendizagem em Jean Piaget. Buscávamos em cada
leitura a essência de sua concepção sobre a construção do conhecimento. Os livros
analisados estão sistematicamente descritos nas Referências.
No segundo momento realizamos a leitura das obras de Paulo Freire. Com o mesmo
propósito que é o de averiguar suas idéias sobre aprendizagem. Realizamos pesquisas em
sites de conteúdo acadêmico e cientifico para aprofundarmos nossos estudos. Por tanto,
descrevemos nossos estudos sobre este pensador no segundo capítulo denominado A noção
de aprendizagem em Paulo Freire. Os textos e livros também estão registrados na
referência.
Como seqüência deste estudo, estruturamos o terceiro capítulo denominado
Aproximações entre a teoria de Piaget e Paulo Freire. Neste momento nos atemos a
comparar ambas as teses, que é um de nossos objetivos. Realizamos esta análise com o
10
auxílio da obra Da ação á operação: o caminho da aprendizagem em J. Piaget e P. Freire
de Fernando Becker, filosofo que se dedica a estudar as semelhanças entre Piaget e Freire.
11
2. A NOÇÃO DE APRENDIZAGEM EM JEAN PIAGET
O presente estudo de cunho filosófico busca enfatizar as conceituações de Piaget
sobre aprendizagem, como esta ocorre e quais são os pressupostos que devemos considerar,
ou seja, problematizaremos este tema e esclareceremos as idéias deste renomado
pesquisador. Devemos lembrar que o campo de desenvolvimento teórico de Piaget é o da
psicogenética cujas perspectivas sobre aprendizagem são conceituadas nesta área de
conhecimento. Além disso, devemos considerar que este teórico não desenvolveu nenhuma
teoria da educação, como muito se afirma, mas suas idéias embasaram a teoria
construtivista pela qual defendia, devido suas experiências, um método que valorizasse o
ser humano e suas faculdades intelectuais. Elaborou a epistemologia genética, que entende
o conhecimento como uma construção progressiva de novas formas de organização do real.
Para discutir a questão do conhecimento propõe uma regressão aos estados mais primitivos
do desenvolvimento no sujeito, isto é, que recuemos a gênese do homem.
Podemos perceber nas leituras realizadas sobre este autor uma característica muito
forte de problematizar as questões clássicas do conhecimento e buscar uma resposta à luz
de uma epistemologia fundamentada nos fatos.
Dada a abrangência dos trabalhos de Jean Piaget1, podemos afirmar que este
investigou e explorou a mente humana. Muitos de seus trabalhos foram importantes para
diversas áreas do conhecimento, mas é, sobretudo na Educação e na Psicologia que
encontramos a repercussão de sua obra.
Encontramos, também, objeções a sua teoria, por vezes as críticas dizem respeito à
desconsideração da questão social, porém, o próprio Piaget destacou em muitos momentos
1A produção de Jean Piaget é extensa e complexa. Escreveu 96 livros (ele e colaboradores) e uma centena de
artigos e textos.
12
que o sujeito sem o social não teria a mínima condição de se constituir; Piaget2 apud La
Taille (1992) afirma que “a inteligência humana somente se desenvolve no individuo em
função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas.” O que
devemos compreender é que, para que haja socialização é necessário que haja equilíbrio
entre os sujeitos, entretanto o que há é uma diferenciação do ser social em fases distintas de
desenvolvimento. O ser social de uma criança de cinco anos não é o mesmo de um
adolescente. Há de se considerar o nível de desenvolvimento, as formas de pensamento, a
relação interindividual, o reconhecimento do eu e do outro. É nesta linha que caminha o
pensamento deste epistemólogo. Outro enfoque de crítica são as afirmações de que este
epistemólogo se restringiu apenas em evidenciar a aprendizagem como dependente da
maturação mental e física, ou seja, dependente do desenvolvimento biológico, no entanto,
restringir a aprendizagem somente a fatores biológicos é minimizar a vasta obra de Jean
Piaget. Negando esta questão da consideração apenas da maturação, Piaget (1974, p. 34)
desenvolve sobre está temática relacionada às estruturas lógicas do raciocínio:
“(...) a aprendizagem não se confunde necessariamente com o
desenvolvimento, e que, mesmo da hipótese segundo a qual as estruturas
lógicas não resultam da maturação de mecanismos inatos somente, o
problema subsiste em estabelecer se sua formação se reduz a uma
aprendizagem propriamente dita ou depende de processos de significação
ultrapassando o quadro do que designamos habitualmente sob este
nome.”
Piaget (1988) analisou os fatores biológicos e os sociais na constituição do ser
humano. Na análise da gênese do conhecimento, certamente o ser humano nasce com
estruturas inatas do sistema nervoso (próprio da espécie) e forma de adaptação biológica,
2 Piaget, Jean. Biologia e conhecimento: ensaio sobre as relações entre as regulações orgânicas e os processos
cognoscitivos. Petrópolis: Vozes, 1973.
13
no entanto, nossas ações que se elaboram a partir do estofo inicial biológico se constitui
progressivamente graças aos fatores sociais:
Desde que os homens falam, por exemplo, nenhum idioma se implantou
por hereditariedade, e é sempre através de uma ação educativa externa do
ambiente familiar junto à criancinha que essa aprende a sua língua, tão
apropriadamente denominada “materna”. Sem dúvida as potencialidades do
sistema nervoso humano tornam possível tal aquisição, negada aos
antropóides, e a posse de uma certa ‘função simbólica’ faz parte destas
disposições internas que a sociedade não cria mas utiliza; todavia sem uma
transmissão social exterior (isto é, em primeiro lugar educativa), a
continuidade da linguagem coletiva tornar-se-ia praticamente impossível
(PIAGET, 1988, p. 30)
Diante desta questão, Piaget considera a aprendizagem e a maturação, porém, existe
uma complexa relação entre os processos biológicos (maturação de mecanismos inatos) e as
experiências físicas ou sociais, que resultam na aprendizagem, ou seja, este último não se
resume somente em desenvolvimento. Seria muito superficial uma teoria que admitisse a
necessidade de uma maturação e posteriormente um processo de aprendizagem. Piaget não
pensa a aprendizagem desvinculada do desenvolvimento, mas não possui a tese que
primeiro precisa desenvolver para depois aprender (essa foi uma má leitura de Piaget).
A união destes fatores originará um terceiro fator que não pode ser caracterizado
nem como uma estrutura inata (hereditária) nem como resultante da experiência do meio, é
o fator de equilibração, que na concepção de Piaget3 apud Becker (1997, p. 91):
Assim, parece altamente provável que a construção das estruturas seja
principalmente obra de equilibração, definida não pelo equilíbrio entre
forças opostas, mas pela auto-regulação; isto é, a equilibração é um
conjunto de reações ativas do sujeito às perturbações externas [...]
Esta equilibração sinônimo de desenvolvimento cognitivo é resultante de atividades
intelectuais intensas, como: no momento da discussão de um problema, da reflexão para
3 Piaget, Jean. A teoria de Piaget. In: Carmichael, Leonard. Manual de Psicologia da criança;
desenvolvimento cognitivo. São Paulo: EDUSP, 1977. v. 4, p. 70-115.
14
garantir objetivos desejados que necessite de operação, da atividade produtiva que o sujeito
dedica-se a resolver problemas.
Neste momento da análise é necessário considerar as questões que norteiam o
processo de aprendizagem na perspectiva piagetiana. Deste modo, é preciso esclarecer as
idéias sobre assimilação, acomodação e equilibração das estruturas. Estes termos biológicos
são de grande importância na teoria de Piaget, pois é através deste que este estudioso
explica o processo de aprendizagem. Em todas as tarefas e desafios que devemos cumprir
possuímos esquemas para realizá-las com sucesso, quando nos deparamos com situações
jamais vistas não ignoramos estes esquemas, utilizamo-os como base para solucionarmos o
novo. Piaget4 apud Becker (1997, p. 34) explica o que são os esquemas: “Os esquemas são
unidades de comportamento suscetíveis de repetição mais ou menos estável e de aplicação
a situações ou objetos diversos.” Ou seja, são estruturas que norteiam nossas ações,
metaforicamente os esquemas são análogos a metodologias que utilizamos para
desenvolver tarefas.
A assimilação é definida por Piaget como uma forma de adaptação do sujeito ao
meio. Ocorre assimilação quando o sujeito incorpora os dados externos aos esquemas que
possui. A acomodação é a modificação necessária dos esquemas para poder incorporar
esses dados externos (PIAGET, 1973).
Diante de uma situação nova o sujeito utilizará esquemas já formados para explorar
o novo, ou seja, assimilar o objeto. Por exemplo, diante de uma situação problema que
nunca fora conhecida o indivíduo utilizará seus conhecimentos prévios para reconhecê-lo.
Utilizará seus conhecimentos físicos e lógico-matemáticos para resolver o que está
4 Piaget, Jean. Biologia e conhecimento: ensaios sobre as relações entre as regulações orgânicas e os
processos gognoscitivos. Petrópolis: Vozes, 1973.
15
pendente. Esta assimilação está longe de ser associação como diria os associacionistas.
Assimilar não é apenas associar situações que se cruzam é incluir nesta associação a
significação e incorporação dos dados. É um ato que possui significado para o sujeito, pois
a ação sobre o objeto possibilita transformá-lo, resignificá-lo, como Piaget descreve em
suas obras. Já copiar, memorizar e associar não envolvem a atividade do sujeito, pois estão
ligados à passividade, ao receber de um superior e arquivar o que fora transmitido. Piaget
(1973, p.14) expõe a necessidade da assimilação como um dos processos fundamentais para
o desenvolvimento cognitivo:
A importância da noção de assimilação é dupla. De um lado, implica, como
acabamos de ver, a noção de significação, o que é essencial, pois todo
conhecimento refere-se a significações (índices ou sinais perceptivos, tão
importante desde o nível dos instintos, até a função simbólica dos
antropóides e do homem, sem falar das abelhas e dos golfinhos). Por outro
lado, exprime o fato fundamental de que todo conhecimento está ligado a
uma ação e que conhecer um objeto ou acontecimento é utilizá-los,
assimilando-os a esquemas de ação.
Todavia, a assimilação não é um esquema que por si só atinge a equilibração, deste
modo assimilação e acomodação são inseparáveis, assim, Piaget5 e Dolle6 apud Becker
(1997, p.48) definem com clareza as relações entre assimilação e acomodação:
Se a assimilação é a ‘incorporação do meio à estrutura’, acomodação é a
‘modificação dessa estrutura em função das modificações do meio’ (Dolle,
1981 p.50). ‘Se denominarmos acomodação a esse resultado de pressões
exercidas pelo meio (...) poderemos dizer, portanto, que a adaptação é um
equilíbrio entre a assimilação e a acomodação’ (Piaget, Nascimento da
Inteligência p.117). “No domínio do comportamento chamaremos
acomodação à variação de um esquema” (Piaget, Aprendizagem e
Conhecimento -1, p. 63). Por exemplo, o esquema de preensão é
modificado pelo esquema de puxar. Isto pode levar a descobertas
inesperadas, daí sua relevância para a aprendizagem. Pois a impossibilidade
de estender a tendência à assimilação para além de certos limites,
corresponde ao inicio da aprendizagem (Piaget, Aprendizagem e
Conhecimento -1, p. 62)
5 Piaget, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 389.
6 Dolle, Jean-Marie. Para compreender Jean Piaget. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 202.
16
No processo de adaptação vemos com evidência os mecanismos indissociáveis de
assimilação e acomodação, independente da adaptação ser biológica ou intelectual. Na
adaptação biológica temos “[...] um equilíbrio entre a assimilação do meio ao organismo e
a acomodação deste aquele”. Na adaptação intelectual temos “o equilíbrio entre a
assimilação da experiência às estruturas dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos
dados da experiência” (PIAGET, 1976).
Como afirmamos acima estas definições são imprescindíveis para compreensão da
origem da aprendizagem na concepção de Piaget. Agora num próximo momento
exploraremos a sua perspectiva em relação ao método que considera equivocado e o que
defende.
2.1 O Método Empírico X Método Ativo
A origem da educação tradicional e conseqüentemente das metodologias clássicas
da educação são embasadas em conceituações da corrente filosófica empírica, pelo qual,
supunham que o conhecimento é do exterior para o interior e que a relação de
aprendizagem que envolve a mediação entre sujeito e objeto são dadas através dos sentidos,
da percepção. Esta teoria da aprendizagem desconsidera o sujeito como ativo na construção
do conhecimento. Piaget (1976, p.140), conceitua a perspectiva que se tem de criança
dentro das teorias clássicas:
[...] foi levado, implícita ou explicitamente, a considerar a criança seja
como um homenzinho a instruir, moralizar e identificar o mais rapidamente
possível aos seus modelos adultos, seja como o suporte de pecados
originais variados, isto é, como uma matéria resistente que é preciso dobrar
muito mais que modelar. Desse ponto de vista procede sempre a maior
parte dos nossos métodos pedagógicos. Ele define os métodos “antigos” ou
“tradicionais” de educação. Os métodos novos são os que levam em conta a
natureza própria da criança e apelam para as leis da constituição
17
psicológica do individuo e de seu desenvolvimento. Passividade ou
atividade”.
O empirismo, que conceitua a criança como um homem em miniatura, considera
que o indivíduo ao nascer não possui estruturas inatas, sendo que a criança é definida
nesses termos como tabula rasa. Será através das experiências perceptivas que se moldará a
aprendizagem. Então é necessário moldar os métodos para determinada teoria da educação,
ou seja, de métodos que preconizem a percepção, a memória e a disciplina. Esta definição
pode ser concretizada nas palavras de Piaget (2003, p.45):
Pelo que toca às noções, a tese mínima do empirismo é que o seu
conteúdo é tirado da percepção, consistindo simplesmente a sua forma
num sistema de abstrações e generalizações, sem estruturação
construtiva, ou seja, fonte de ligações estranhas ou superiores às relações
fornecidas pela percepção.
Como fora dito anteriormente, na construção do conhecimento é necessário
considerar a maturação, a experiência e as relações educativas e sociais. Neste último como
nos outros pressupostos há diversas concepções, sendo que dentre as relações educativas
temos aquelas que são resumidas pelo verbo transmitir, fundamental para a visão empirista,
pela qual o individuo ao ser educado é concebido como receptor ou recipiente de
informações.
Neste método de trabalho educativo a criança não é conduzida a descobrir o
conhecimento, a investigar e elaborar conjecturas. Diante desta metodologia, podemos
perceber através de nossas análises a posição de Piaget (1976, p.98) frente aos métodos
tradicionais:
Foi visto, com efeito, o quanto a escola tradicional, inteiramente centrada
no verbo e na transmissão oral, havia negligenciado este aspecto da
formação intelectual, e como certos físicos tinham tomado a peito o
problema, até se debruçarem sobre os inícios da formação experimental da
escola primária.
18
Os empiristas crêem que todos podem aprender neste formato de educação, aqueles
que fogem a regra são considerados anormais. Consideram que a inteligência é como um
dispositivo que sendo pressionado através da memorização se efetivará e dará seus frutos,
entretanto, não é por este caminho que desejamos desenhar a educação. A educação neste
método que é denominado tradicional somente marginaliza e molda o indivíduo para que
aceite as injustiças sociais e para a permanência do status quo.
A escola tradicional norteou muitas de suas idéias em equívocos que permaneceram
na ignorância por séculos, entre estes estão a concepção de que a linguagem, a lógica e
moral são inatas no ser humano. Deste modo, a lógica permaneceu por séculos como sendo
natural ao homem. Este equívoco norteou idéias da escola tradicional, Piaget (1988 p.31):
Estando o homem pré-formado já na criança, e consistindo o
desenvolvimento individual apenas em uma atualização das faculdades
virtuais, o papel da educação se reduz então a uma simples instrução, tratase
exclusivamente de enriquecer ou alimentar faculdades já elaboradas e
não formá-las. Basta, em suma, acumular conhecimentos na memória , ao
invés de conceber a escola como um centro de atividades reais (...).”
Neste paradigma de educação, Piaget caracteriza o conhecimento utilizando o termo
conhecimento – cópia, cuja aprendizagem se constituirá em somente reproduzir os
conteúdos das disciplinas através de memorizações que serão verificadas (medidas) com as
avaliações. Ou seja, não há abertura para que o aluno explore, manipule, formule e exponha
suas conjecturas sob determinado conhecimento.
Piaget (1974, p.42) menciona Hull7, defensor de métodos associacionistas, para
conceituar sobre o empirismo e o pseudoconhecimento denominado como dito
anteriormente de conhecimento-cópia. Piaget (1976) utiliza Hull para questionar a maneira
como ocorre a construção do conhecimento, indaga se é através das cópias da realidade ou
7 Hull, C. L. Knowledge and Purpose as Habit Mechanismus, Psycol. Ver., 1930, 37, pp. 511-525.
19
se é através de metodologias que conduzem o sujeito à superação. Dentro deste
questionamento Piaget (1976, p. 36 e 37) expõe a questão:
As concepções do conhecimento–cópia, longe de terem sido abandonadas
por cada uma das correntes, continuam a inspirar os métodos educativos, e
freqüentemente até os métodos intuitivos, onde a imagem e as
apresentações audiovisuais desempenham um papel que algumas delas são
levadas a considerar como a etapa suprema dos processos pedagógicos. Em
psicologia da criança são vários os autores que continuam a pensar que a
formação da inteligência obedece as leis da “aprendizagem”, tomando por
modelo certas teorias anglo- saxônicas do “learning”como a de HULL:
respostas repetidas do organismo aos estímulos exteriores, consolidando
dessas repetições por meio de reforços externos, consolidação de cadeias de
associações ou de hierarquia de hábitos que fornecem uma “cópia
funcional” das seqüências da realidade etc.
Este falso conhecimento é caracterizado por sua transposição ao sujeito de maneira
que este não possa assimilar, inferir, interagir com o conhecimento que fora transmitido.
Com este tipo de transmissão só cabe ao sujeito registrá-la, sendo amputado o direito de
desenvolver cognitivamente sobre este. Esta transmissão, despejo, se configura na natureza
das respostas, cuja contribuição para o desenvolvimento intelectual será mínimo. Piaget
(2003) critica a perspectiva empirista e a natureza deste conhecimento que provêm somente
das experiências e da percepção. Como podemos perceber em várias análises das leituras
realizadas, Piaget sempre confirma seu posicionamento frente as teorias clássicas de
educação.
Piaget critica como dissemos, a aprendizagem e o conhecimento na perspectiva
empirista, pois a aprendizagem das diversas disciplinas parecem estar encaixotadas, como
se houvesse um lacre que não poderíamos retirar, este lacre é a metodologia que
permanece sempre a mesma. Deste modo, a Matemática e a Geografia são ensinadas da
mesma maneira, desconsideram as especificidades de cada área de conhecimento e sua
natureza. Piaget (1988) evidencia que para cada aprendizagem há esquemas diferenciados
20
para concebê-la. Como dito anteriormente, na construção do conhecimento devemos refletir
sobre: O quê ensinar? Para quem? E ao refletir sobre tais questões devemos pensar: Como
ensinar? Neste momento de reflexão deve-se considerar a idade das crianças, os objetivos a
serem alcançadas e, finalmente, a metodologia apropriada para a efetiva construção do
conhecimento, para que haja o movimento reflexivo de ação – reflexão – ação. Piaget
(1988) afirma que muitos dos problemas de aprendizagem são de ordem metodológica, ou
seja, o modo como o professor ensina possibilita ou não a compreensão da disciplina. Em
sua metodologia, o educador que considera a idade de seus educandos deve pensar o
conteúdo de modo concreto e abstrato, sendo que em cada fase as crianças possuem
necessidades a serem supridas para que construam o conhecimento. Considerando as
características de cada disciplina e a construção do conhecimento que não deve se dar de
modo condicionado, Piaget (1974, p. 51) menciona as especificidades da aprendizagem das
estruturas lógicas:
O interesse epistemológico desse problema da aprendizagem das
estruturas lógicas é, pois que ele conduz à fonte mesma das relações entre
o sujeito e os objetos. Reduzir a aprendizagem das estruturas lógicas às
outras variedades de aprendizagem e todas elas a um esquema único de
natureza associacionista será, naturalmente suprimir o papel do sujeito no
conhecimento, esse conhecimento se limitando, sob sua forma sintética, a
traduzir as propriedades físicas do objeto e, sob sua forma analítica, a
combinar essas traduções sem entretanto enriquecê-las. Negar que as
estruturas lógico-matemáticas se aprendem ou evidenciar a
especificidade dessa aprendizagem seria ao contrário dissociar na
constituição dos conhecimentos, a parte do objeto e as contribuições do
sujeito sob uma forma contraditória com o empirismo.
Muitos dos problemas existentes no cotidiano escolar podem ser encaminhados com
práticas ativas, que desenvolvam espíritos inventivos e criativos, mas para termos práticas
mais coesas com a necessidade infantil é necessário que a formação dos professores se
adapte a esta demanda, Piaget (1976, p.130): “Portanto, sob todos os ângulos, o problema
21
da formação de professores constitui a questão-chave, cuja solução comanda a solução de
todas as questões examinadas até o momento”.
Outra questão que envolve o desenvolvimento da aprendizagem é considerar os
conhecimentos prévios de cada indivíduo. Através deles teremos as primeiras noções sobre
o que a criança conhece mesmo que sejam idéias remotas, frágeis e sem argumento. O
necessário é que cada educador realizasse uma pesquisa para conhecer as formulações e
justificativas de cada criança sob o conteúdo a ser adquirido. Entretanto, no método que
estamos estudando o aluno é concebido como tábula rasa, sendo que este nada sabe
restando-lhe somente memorizar o que fora imposto. A importância de se considerar os
conhecimentos prévios é analisada através desta citação de Piaget (1974, p. 69):
Não somente uma aprendizagem não parte jamais do zero, quer dizer que a
formação de um novo hábito consiste sempre numa diferenciação a partir
de esquemas anteriores; mas ainda, se essa diferenciação é função de todo o
passado desses esquemas, isso significa que o conhecimento adquirido por
aprendizagem não é jamais nem puro registro, nem cópia, mas o resultado
de uma organização na qual intervém em graus diversos o sistema total dos
esquemas de que o sujeito dispõe.
Na metodologia tradicional a construção do conhecimento é camuflada, pois o que
norteia o trabalho pedagógico é um processo de indução, pois o sujeito realiza o que fora
pedido mediante um exemplo a ser seguido em todas as atividades, mas não compreende o
que fez e o porquê de estar fazendo tal tarefa, que a torna insignificante. Piaget (1974, p.53)
afirma:
Aquisições mediatas em função da experiência que não constituem
aprendizagens: são as aquisições obtidas em função de uma indução
propriamente dita o controle é sistemático e dirigido (direção se
aplicando ao conjunto do processo e não somente a momentos
particulares), enquanto esse não é o caso na aprendizagem.
Como podemos analisar no que dissemos antes, Piaget nega que no método
tradicional haja a aprendizagem propriamente dita nas conceituações de seu pensamento,
22
pois memorizar não significa assimilar ativamente. Esta indução não passa de uma
compreensão instantânea para que o aluno possa ser capaz de solucionar aquilo que lhe fora
proposto no momento da tarefa. O que ocorre é que, passado algum tempo, quando refaz o
caminho em busca do estudo e da compreensão não entende o que fez, restando-lhe
somente memorizar o conteúdo.
Na estrutura do método tradicional temos as relações entre professor–aluno que são
de modo assimétrico, cuja educação é baseada no respeito unilateral, ou seja, cabe ao aluno
apenas receber e respeitar as ordens vindas de seus superiores, como no caso estamos
falando em educação estes superiores são os professores. Este respeito é caracterizado pelas
coações, sendo que o aluno respeita porque tem medo das punições que poderá receber.
Piaget (2003) utiliza-se das conceituações de Bovet para caracterizar os sentimentos e
julgamentos morais. Segundo Bovet8 apud Piaget (2003) o sentimento de obrigação é um
sentimento moral específico, se constitui segundo condições que são: as orientações
fornecidas ao sujeito de caráter indeterminado, ou seja, uma conduta que este deve seguir
por toda vida ou até mesmo um valor (não mentir, por exemplo) e consecutivamente a
aceitação do sujeito à submissão da orientação fornecida. Esta aceitação é o respeito que
nada mais é que um misto de afeição e temor. Mas Piaget (2003, p.111) questiona esta
conceituação:
Entretanto, o respeito descrito por Bovet constitui apenas uma das duas
formas possíveis de respeito. Nós lhe chamaremos “unilateral”, porque liga
um inferior a um superior considerado como tal, e o distinguiremos do
“respeito mútuo” fundado na reciprocidade da estimação.
8 Bovet, P. Les conditions de l’obligation de conscience. Anne psychologique, 1912.
23
Da relação no cotidiano escolar baseada no respeito unilateral, teremos a supressão
da classe inferior e valorização apenas da classe superior constituindo uma relação
caracterizada pela hierarquia, deste modo Piaget (1988, p.67):
Com efeito, a educação baseada na autoridade e no respeito apenas
unilateral apresenta os mesmos inconvenientes, quer do ponto de vista
moral, quer do ponto de vista intelectual: ao invés de levar o individuo a
elaborar as regras e a disciplina que o obrigarão, ou a colaborar nessa
contradição, ela lhe impõe um sistema de imperativos pré-estabelecidos e
imediatamente categóricos.
Como resultante desta relação unilateral, La Taille (1992, p. 19) expõe sobre a
condição e característica do sujeito que fora coagido:
Verifica-se que o indivíduo coagido tem pouca participação racional na
produção, conservação e divulgação das idéias (...) Uma vez aceito esse
produto, o individuo coagido o conserva, limitando-se a repetir o que lhe
empuseram (...) Em uma palavra ele passa a impor o que num primeiro
momento lhe impuseram.
Nesta condição, podemos afirmar que a educação tradicional age como mantedora
do status quo e da ideologia dominante9. Infelizmente o problema persiste na vida de cada
aluno, pois se este indivíduo tem a possibilidade de uma mobilidade social atingindo uma
classe de nível econômico melhor, continuará a agir do mesmo modo que fizeram com ele,
ou seja, será autoritário e exercerá a coerção para obter fins desejados. Caso isso não ocorra
9 Marx e Engels (1974 p. 55-56) contextualizam o conceito de ideologia relacionado ao homem e ao trabalho
dentro da sociedade. Expõe sobre as relações de trabalho entre os homens na história e a produção de idéias
ligadas à atividade material: “O pensamento da classe dominante são também, em todas as épocas, os
pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é
também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe
igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados
os meios de produção intelectual estão submetidos a classe dominante. Os pensamentos dominantes são
apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e, portanto, a
expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as idéias de
seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem entre outras coisas uma consciência,
e é em conseqüência disso que pensam; na medida em que dominam enquanto classe e determinam uma
época histórica em toda a sua extensão, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos, que
tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de idéias, que
regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos de sua época; as suas idéias são, portanto, as
idéias dominantes de sua época.”
24
continuara na condição passiva, porque como não desenvolveu a autonomia na infância
tornará mais difícil desenvolvê-la na vida adulta, não terá autonomia para decidir por si
próprio e não terá desenvolvido o senso crítico e argumentação.
A justificativa para tal situação é declarada por Piaget (1988, p.61):
Na realidade, a educação constitui um todo indissociável, e não se pode
formar personalidades autônomas no domínio moral se por outro lado o
indivíduo é submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem que
tenha de se limitar a aprender por imposição sem descobrir por si mesmo a
verdade: se é passivo intelectual, não conseguiria ser livre moralmente.
Reciprocamente, porém, se sua moral consiste exclusivamente em uma
submissão à autoridade adulta, e se os únicos relacionamentos sociais que
constituem a vida da classe são os que ligam cada aluno individualmente a
um mestre que detém os poderes, ele também não conseguiria ser ativo
intelectualmente.
Assim como as fases de desenvolvimento infantil que Piaget (2003) descreve, há
também as fases do desenvolvimento moral da criança, definidas também por Piaget10 apud
La Taille (1992), sendo que ambos se relacionam e são semelhantes. No caso de uma
educação baseada na hierarquia de classes e na relação assimétrica existente entre professor
e aluno o que se constituíra na personalidade da criança é a heteronomia, o sujeito se
acomete apenas a receber ordens e respeitá-las, não tendo a autonomia para realizar suas
tarefas. Ou seja, a criança se caracteriza por atitudes passivas, pela qual respeita de forma
heterônoma as regras, seguindo-as sem perceber outras possibilidades. O que se deve
considerar é que esta categoria das fases do desenvolvimento moral e afetivo, que se
constitui pela: anomia, heteronomia e autonomia; não é passageira em crianças que
vivenciam práticas pedagógicas coercivas, desta maneira a criança não supera a
heteronomia e, conseqüentemente, não atingira a autonomia e liberdade de expressão.
Além de todas estas questões que envolvem a Educação Tradicional temos que
considerar como ocorre a avaliação dentro desta metodologia de trabalho educativo.
10 Piaget, Jean. Estudos Sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973.
25
Observa-se então que a avaliação tem caráter discriminatório, punitivo e seletivo. Separa-se
o bom e o ruim, o inteligente e o incapaz através de atividades que não consideram o
desenvolvimento cognitivo global, ou seja, os outros trabalhos em sala não são
considerados, o comportamento, os valores e etc.
Percebemos que Piaget tem um posicionamento contrário diante desta avaliação que
exclui o indivíduo, pois esta não examina de fato toda aprendizagem, o desenvolvimento do
aluno, mesmo que não seja o desejável ou ao nível do currículo de determinada série,
também podemos afirmar que este defende a avaliação que considera o cotidiano escolar, as
relações que os alunos estabelecem e seu desenvolvimento individual.
Diz Piaget (1988, p. 47):
Se o ensino consiste em simplesmente em dar aulas, em fazê-las repetir por
meio de ‘exposições’ ou de ‘provas’, e aplicá-las em alguns exercícios
práticos sempre impostos, os resultados obtidos pelo aluno não tem
significação que no caso de um exame escolar qualquer, deixando-se de
lado o fator sorte. Unicamente na medida que os métodos de ensino sejam
‘ativos’ – isto é, confiram uma participação cada vez maior as iniciativas e
aos esforços espontâneos do aluno – os resultados obtidos serão
significativos. Nesse último caso, trata-se de um método bastante seguro,
que consiste, se assim pode se dizer, em um espécie de exame psicológico
continuo, em oposição àquela espécie de amostragem momentânea que,
apesar de tudo, constitui os testes.
Infelizmente a escola tradicional também não se preocupou com as atividades que
estimulam o pensamento e o raciocínio, entre elas o jogo. É através do jogo que a criança
assimila o real ao eu. Piaget (1976, p.158) expõe sobre a concepção de jogo à metodologia
empírica: “O jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela escola tradicional,
dado o fato de parecerem destituídas de significado funcional. Para a pedagogia corrente,
é apenas um descanso ou o desgaste de um excedente de energia.”.
Para superação deste modelo tradicional de educação Piaget (1976) expõe a
necessidade de refletirmos sobre os objetivos da educação e o jogo de interesse que está
26
inserido nas práticas descritas anteriormente. Os educadores comprometidos com a
educação e conscientes de sua função social devêm se questionar sobre: quais cidadãos
desejamos formar? Aliás, qual é conceito de cidadania dentro de nossa sociedade? E para
quê ou para quem estes serão educados? Piaget (1976, p. 61) expõe o objetivo central da
educação:
O objetivo da educação intelectual não é saber repetir ou conservar
verdades acabada, pois uma verdade que é reproduzida não passa de uma
semi-verdade: é aprender por si próprio a conquista do verdadeiro,
correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por todos os rodeios
que uma atividade real pressupõe.
.Para Hutchins11 apud Piaget (1976) o ensino tem como objetivo fundamental
desenvolver a inteligência, esta afirmação é muito aceita por várias linhas de pensamento.
Entretanto Piaget nos apresenta que é necessário definir o que é inteligência e quais são
suas funções, sendo que estas se resumem nos verbos compreender e inventar. Nas diversas
pedagogias estas duas ações são colocadas como subordinadas entre si, nas antigas teorias,
como o empirismo, o compreender sobrepõe o inventar “consideravam a invenção uma
simples descobertas de realidades já existentes” e nas teorias mais recentes, que
consideram as questões psicológicas, o contrário nos apresenta, pois a invenção é
considerada “a expressão de um organismo contínuo de estruturas de conjunto” (PIAGET
1976, p.36).
Como conseqüência dos objetivos que a educação almeja, há de se considerar como
esses objetivos serão alcançados ou qual é melhor método para se atingir o desejado. Piaget
(1976, p. 34 e 35), defende indiscutivelmente o método ativo independente do que se deseja
alcançar, cremos que mencionou abaixo até com certo sarcasmo:
11 Hutchins, R. M. Enciclopédia Britânica.
27
Se se deseja, como necessariamente se faz cada vez mais sentir, formar
indivíduos capazes de criar e de trazer progresso à sociedade de amanhã, é
claro que uma educação ativa verdadeira é superior a uma educação
consistente apenas em moldar os assuntos do querer pelo já estabelecido e
os do saber pelas verdades simplesmente aceitas. Mas mesmo caso se tenha
por objetivo formar espíritos conformistas prontos a trilhar os caminhos já
traçados das verdades adquiridas o problema implica em determinar se a
transmissão das verdades estabelecidas terá mais êxito mediante o
procedimento de simples repetição ou mediante uma assimilação mais
ativa.
Piaget defende um ensino que seja experimental, que mobilize o indivíduo a pensar
e principalmente estruturar aquilo que pensa estabelecendo relações e hipóteses. Entretanto
a experiência que expõe não é aquela colocada pelo empirismo clássico, mas as de natureza
física (explorar os objetos e formular certas hipóteses a respeito destes) e lógico –
matemática (realizar ações e descobrir a partir destas ações propriedades do objeto).
Como explica Piaget, a construção do conhecimento não deve se constituir por
práticas coercivas simplesmente através do monólogo como menciona Paulo Freire, é
necessário que o indivíduo reconstrua e faça que este conhecimento se torne significativo.
Os métodos ativos são criticados por “estereótipos” que não condizem com a real
teoria. Piaget (1976) apresenta equívocos que foram cometidos na interpretação do método
ativo: primeiro a idéia que nesse método os trabalhos escolares são todos manuais.
Relacionado à educação infantil é necessário considerar que é de extrema importância
atividades que motivem as sensações e percepções, entretanto, Piaget sempre ressalta que a
ação implica assimilação e atividade. A idéia de percepção equivocadamente reduz a
aprendizagem a contatos manuais, a atividade sob o objeto de estudo; a esse respeito Piaget
(1976, p. 104) afirma: “Ora sabemos hoje que a inteligência procede antes de mais nada
da ação e que um desenvolvimento das funções sensório-motoras no pleno sentido da livre
manipulação, constitui uma espécie de propedêutica indispensável à formação intelectual
propriamente dita”.
28
Outra idéia de princípios errados é a afirmação de que neste método de trabalho não
há regras, que cada um faz o que bem entende e no momento que deseja, entretanto Piaget
(1976, p.75) nega esta falsa conceituação:
Os métodos ativos não levam, de forma alguma, a um individualismo
anárquico, mas, principalmente quando se trata de uma combinação de
trabalho individual e do trabalho por equipes, a uma educação da
autodisciplina e do esforço voluntário.
Piaget (1988) aponta alguns princípios que nortearão uma aprendizagem bem
sucedida: a reconstrução do conhecimento pelo aluno, a busca da verdade e
conseqüentemente da compreensão. Que o conhecimento não seja simplesmente
transmissão e passividade, mas que haja atividade e ação sobre o conhecimento a ser
assimilado. Também é preciso que haja um trabalho unificado com equipes escolares
motivadas por objetivos e finalidades coerentes com o que às crianças necessitam sendo
imprescindível a relação entre professores e psicólogos.
Porém, Piaget (1988, p.15) nega uma afirmação que muitos pedagogos julgam ser
mencionada por esta linha de pensamento:
O primeiro receio (e, para alguns, a esperança) de que se anule o papel do
mestre, em tais experiências, e que, visando ao pleno êxito das mesmas,
seja necessário deixar os alunos totalmente livres para trabalhar ou brincar
segundo melhor lhes aprouver. Mas é evidente que o educador continua
indispensável, a título de animador, para criar as situações e armar os
dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas úteis à criança, e para
organizar, em seguida, contra – exemplos que os levam à reflexão e
obriguem ao controle das soluções demasiado apressadas: o que se deseja é
que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a
pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de
soluções prontas.
Neste formato de educação, o educador ou como denominado mestre–animador terá
que dominar as peculiaridades das crianças, ou seja, conhecer o desenvolvimento da
29
inteligência e suas capacidades e limitações em cada fase. Estes pressupostos nortearão sua
prática, cuja informação refere-se às questões pedagógicas e psicológicas:
Uma coisa, porém é inventar na ação e assim aplicar praticamente certa
operações; outra é tomar consciência das mesmas para delas extrair um
conhecimento reflexivo e sobretudo teórico, de tal forma que nem os
alunos nem os professores cheguem a suspeitar de que o conteúdo do
ensino ministrado se pudesse apoiar em qualquer tipo de estruturas
“naturais” (PIAGET 1988, p. 16).
Em sua defesa ao método ativo, Piaget fala sobre a questão das disciplinas
científicas (matemática, física etc) que requer o pensamento abstrato e a necessidade de
buscar nas ciências as explicações dos fenômenos, ou seja, enfatiza que a metodologia ideal
é aquela que possibilita que o sujeito se motive a buscar respostas a suas dúvidas, com um
objetivo maior que é o de tornar a aprendizagem significativa. Em suma, defende o método
ativo devido o alto nível de compreensão que a criança adquire a respeito de um fenômeno.
Diz Piaget (1988, p. 17):
[...] o principio fundamental dos métodos ativos só se pode beneficiar com
a História das Ciências e assim pode ser expresso: compreender é inventar,
ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais
necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos
capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir.
Outro enfoque que mereceu a preocupação de Piaget é a discussão sobre a
interdisciplinaridade. Defende-a em nome da globalização do conhecimento cientifico, ou
seja, para que o homem não seja um ser técnico somente em dada área, mas que seja
conhecedor dos mais diversos campos que diretamente ou indiretamente influenciem sua
técnica. A fragmentação do conhecimento é desfavorável à formação do homem que busca
a verdade. Piaget (1988, p. 21) menciona que esta fragmentação das disciplinas tem origem
nos preceitos positivistas:
Em uma perspectiva onde apenas contam os observáveis, que cumpre
simplesmente descrever e analisar para então daí extrair as leis funcionais,
é inevitável que as diferentes disciplinas pareçam separadas por fronteiras
30
mais ou menos definidas e mesmo fixas, já que estas se relacionam com a
diversidade das categorias de observáveis que, por sua vez estão
relacionadas com nossos instrumentos subjetivos e objetivos de registro
(percepção e aparelhos).
A interdisciplinaridade possibilita ao educando ter uma visão global do mundo em
que vive tendo a capacidade de relacionar fatos a conceitos e a valores, desenvolvendo no
sujeito o senso crítico e eliminando a visão sincrética dos conteúdos. Neste mundo
globalizado, em que as especializações se intensificam cada vez mais e a educação
tradicional continua sendo metodologia de trabalho dos professores é praticamente raro
encontrar sujeitos que busquem na ciência a origem de fenômenos, estudando as relações
entre as áreas de conhecimento (PIAGET, 1988).
Diante das argumentações da necessidade de um trabalho que seja reflexivo e ativo,
que tornem os sujeitos construtores de sua própria história é preciso que haja uma
reestruturação do currículo, Piaget (1988, p.23):
Do ponto de vista pedagógico, é evidente que a educação se deverá orientar
para uma redução geral das barreiras ou para a abertura de múltiplas portas
laterais a fim de possibilitar aos alunos [...] a livre transferência de uma
seção para outra, com a possibilidade de escolha para múltiplas
combinações.
Piaget (1988, p.32) faz uma releitura do art. 26 da Declaração Universal do Direito
do Homem que diz “Toda pessoa tem direito a educação” expondo que: “Todo ser humano
tem o direito de ser colocado, durante a sua formação, em um meio escolar de tal ordem
que lhe seja possível chegar ao ponto de elaborar até à conclusão, os instrumentos
indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica.”
Se a educação é direito de todos, para que seja direito de todos é necessário que esta
seja gratuita e de qualidade. Para que seja de qualidade é preciso como afirmamos
31
anteriormente de profissionais capacitados, com uma formação completa e que também
haja a gratuidade do material escolar.
Todo trabalho escolar pressupõe um material, é quanto mais ativos são os
métodos, maior é a importância do material utilizado. [...] Nos sistemas
tradicionais de educação cogita-se apenas manuais para estudo, de
cadernos, papel, e algum material indispensável para as lições de desenho e
de trabalhos manuais. PIAGET (1988, p. 37-38).
Enfim, Piaget revolucionou a educação, implantou uma nova visão aos problemas
metodológicos, “explorou” a infância por meio do método clínico e apresentou uma criança
que jamais tínhamos visto. Aposta que a através da educação podemos chegar à cidadania e
a democracia. Democracia dos direitos, dos métodos, dos recursos, dos acessos, do
conhecimento científico, que mobiliza o sujeito a se tornar humano, assim, com o
conhecimento o sujeito pode agir e transformar. Menciona Piaget (1976, p.37):
Conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo, apreendendo os
mecanismos dessa transformação vinculando com as ações
transformadoras. Conhecer é, pois, assimilar o real às estruturas de
transformação, e são as estruturas elaboradas pela inteligência enquanto
prolongamento direto da ação.
Imbuídos na atividade, na realização e na transformação transportaremos os valores
da ação para as mais distintas áreas que envolvem nossa vida social, cultural, política e
econômica. Piaget (1988) relaciona o intelecto com a moral estabelecendo uma
reciprocidade entre ambas, pois o trato com uma destas partes reflete também em formação
para outra. Direcionando o trabalho educativo nestes nortes apresentados, teremos um vasto
campo de possibilidades para a formação de um adulto participativo, possuidor de uma
visão global dos problemas que envolvem a nossa sociedade, interativo e consciente de sua
importância dentro da sociedade.
32
3. A NOÇÃO DE CONHECIMENTO EM PAULO FREIRE
Paulo Freire em sua longa caminhada em busca da educação problematizadora e
libertadora se empenha nos seus trabalhos em expressar o seu sentimento de transformação
da realidade opressora em realidade igualitária, sua luta é a favor dos menos favorecidos, os
marginalizados da sociedade.
A educação tradicional consente que os excluídos/marginalizados da sociedade
permaneçam no estado de consciência ingênua e alienação. No contexto capitalista, a
educação é moldada a atender os interesse do capital, deste modo os oprimidos não
compreendem a realidade que vivem (FREIRE, 2005).
O dominador faz do dominado massa de manobra, o sujeito é educado para não
desenvolver a consciência crítica, é negado o direito do homem de se humanizar e o direito
do pensar autêntico como menciona Freire (2005). Freire coloca a Humanização como algo
que é vocação de todos os homens e a desumanização, que está presente na realidade
opressora, como uma distorção histórica. Entretanto a realidade opressora apresenta o
direito de o ser mais como vocação dos dominadores e o ser menos como a vocação dos
dominados.
Freire busca como ideal a conscientização para o conhecimento da realidade e das
relações de poder existente na sociedade, isto para que o indivíduo possa transformar,
modificar o que lhe é oferecido como se fosse o máximo que poderíamos ter e muitas vezes
ver o dominador como um sujeito generoso, porque sua ideologia já corrompeu e alienou o
cidadão.
Nesta realidade o termo cidadão não está presente ou é camuflada como se
estivesse, tudo é falso, há uma pseudoparticipação, pseudoconsientização, pois o que há é
33
uma cultura do silêncio, desumanização e exploração do homem pensante, que é colocado
como coisa, como domesticado.
Para este pedagogo, o conhecimento é algo a ser construídos na coletividade, pelo
qual o movimento da ação–reflexão é tida como fundamental. Sua pedagogia se caracteriza
por ser dialógica e também dialética, dialética porque não podemos dicotomizar os
fundamentos da educação que são: ação – reflexão, subjetivo – objetivo, homem –mundo,
educador – educando; nestas relações não há o que é mais importante e o menos
importante, não há a hierarquia de um sobre o outro. Nestes parâmetros a educação não é
via de mão única, mas via de mão dupla, não é assimétrica, mas é simétrica. Dialógica
porque é através da comunicação que estabelecemos relações com o outro, que edificamos
a dialética em nossa vida (FREIRE, 2005).
Nosso pensamento caminha também nesta vertente de Freire e percebemos que
quando o indivíduo entende isto que fora mencionado, um grande e vasto caminho se abre e
passamos a entender muitos fatos ou condições que nunca fora compreendido por nós.
Na visão de Freire, para que haja equilíbrio na sociedade não é necessário que os
papéis sejam trocados, ou seja, que opressores se tornem oprimidos e oprimidos se tornem
opressores, se isto ocorresse teríamos um grande equívoco e uma grande contradição. Sua
luta é para equalizar com qualidade e quantidade. Defende uma Pedagogia que liberte os
marginalizados de sua condição de explorado e alienado, que estes possam se comunicar,
agir e pensar.
Diz Freire (1977, p. 118):
Na realidade, na medida em que esta modalidade educativa se reduz a um
conjunto de métodos e de técnicas com as quais educandos e educadores
observam a realidade social (quando a observam), simplesmente para
descrever, esta educação é tão domesticada como qualquer outra. A
educação para libertação não pode ser a que procura libertar os educandos
34
das pirraças para lhes oferecer projectores. Pelo contrário, é a que se
propõe, como praxis social, contribuir para libertar os seres humanos da
opressão que se encontram na realidade objectiva. Por isto mesmo, é uma
educação, tão política como aquela que , servindo as elites do poder, se
proclama apesar de tudo neutra. Daí que esta educação não possa ser posta
em prática, em termos sistemáticos, antes da transformação radical da
sociedade.
O que podemos analisar nesta citação é que Freire também nega as práticas que se
dizem educativas em que somente é necessário observar e descrever a realidade, é
necessário uma postura frente esta realidade, uma subjetividade que seja coesa e que tenha
argumentos, por isso a afirmação de que a educação é um ato político.
Em outros estudiosos da educação podemos perceber que eles negam esta postura
política da educação, entre eles, Saviani (2000) explica que em cada prática social temos
suas especificidades e objetivos, se dissolvemos uma a outra teremos um “politicismo
pedagogico” e um “pedagogismo político”. Mas Freire (1996, p.115) explica a sua
perspectiva, pois nada mais político que defender um posicionamento, um ideal:
Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder
ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de
posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto ou aquilo.
Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não
importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem
ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a
concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o
despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra
a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.
Dentro da perspectiva de Freire há um posicionamento sociológico e antropológico
da condição do homem participante de um meio e dos pressupostos que envolvem a
educação, ou seja, analisa a problemática dos processos de ensino aprendizagem através do
jogo de interesses políticos, econômicos, sociais e culturais, em suma através de nossa
realidade. Por isso que suas obras são uma denúncia aos modos que constituem a educação
35
oferecida aos homens das camadas populares. Diz Freire (2005, p. 46) sobre a pedagogia
que defende:
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá
dois momentos distintos. O primeiro que os oprimidos vão desvelando o
mundo da opressão e vão comprometendo-se, na praxis, com sua
transformação; o segundo, em que transformada a realidade opressora, esta
pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser pedagogia dos homens em
processo de permanente libertação.
Freire (2005) expõe que está disseminada na sociedade a questão do perigo da
conscientização crítica que conduz a uma pedagogia libertadora, um dos argumentos é que
a conscientização conduzir à anarquia. Entretanto, esta afirmação é pertencente ao senso
comum elaborada pelos dominantes como forma de se defender dos movimentos e
pedagogias progressistas, estes grupos elencam como necessidade primeira o
desenvolvimento de um processo de conscientização. Mas Freire (1977, p.118) faz uma
ressalva sobre o modo como se dá a conscientização:
Não há conhecimento se da sua prática não surge a acção consciente dos
oprimidos, enquanto classe social explorada, na luta pela sua libertação.
Por outro lado, ninguém conscientiza ninguém. O educador e o povo
conscientizam-se através do movimento dialéctico entre a reflexão crítica
sobre a acção interior e a acção subsequente no processo daquela luta.
Freire (1983) define a conscientização como sendo uma extensão da tomada de
consciência. Há três tipos existentes em nossa sociedade de consciência, suas características
antagônicas são conseqüentes de estruturas sociais também contrárias.
Freire (1983) expõe que dentro de uma sociedade fechada teremos nos oprimidos
uma consciência intransitiva, estática, imutável, uma consciência que não compreende a
dinâmica da sociedade e os problemas existentes nelas, apenas entende os problemas
pertencentes a esfera biológica, não tem domínio histórico cultural de sua própria vida e
36
não entende sua situação dentro da sociedade. Esta consciência também é denominada
consciência mágica, Freire (1983 p.105) a define:
A consciência mágica, por outro lado, não chega a acreditar-se ‘superior
aos fatos, dominando-os de fora, nem se julga livre para entendê-los como
melhor lhe agrada’. Simplesmente os capta, emprestando-lhes um poder
superior, que a domina de fora e a que tem, por isso mesmo, de submeter-se
com docilidade. É próprio desta consciência o fatalismo, que leva ao
cruzamento dos braços, à impossibilidade de fazer algo diante do poder dos
fatos, sob os quais fica vencido o homem.
Já as consciências transitivas estão presentes em sociedades em transição ou em
sociedades abertas. Como o próprio nome diz o homem é transitivo, ele pensa e age neste
meio, olha as coisas e as relações, é um observar aguçado. Há diferenciação entre duas
formas de consciência transitiva. Primeiramente num período de transição de uma
sociedade temos um estado de consciência transitiva ingênua que significa que o homem
começa a compreender a problemática existente na sociedade, entretanto, compreende de
um modo simplista. Não encontra a verdadeira origem destes problemas, utiliza ainda de
argumentos mágicos para fenômenos que não entende. Nesta fase de desenvolvimento da
consciência é necessário muita cautela, pois Freire (1983) explica que é neste fase que se
desenvolve um tipo de consciência denominada fanática que leva o homem a praticar
atrocidades. Vieira12 apud Freire (1983) explica “A consciência ingênua (…) se crê
superior aos fatos, dominado-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los
conforme melhor lhe agradar”.
Por superação desta fase teremos numa sociedade aberta à consciência transitiva
crítica. É esta consciência que Freire deseja alcançar com métodos educativos que
preconizem o ser humano em sua totalidade. Freire (1983, p. 61) explica detalhadamente
esta fase:
12 Vieira, Álvaro Pinto. Consciência e realidade nacional. Rio de janeiro: ISEB, M.E.C., 1961.
37
A transitividade crítica por outro lado, a que chegaríamos com uma
educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política,
se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela
substituição de explicações mágicas por princípios causais. Por procurar
testar os ‘achados’ e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo
de preconceitos, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a
transferência da responsabilidade. Pela recusa a posições quietistas. Por
segurança na argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica.
Pela receptividade ao novo e pela não recusa ao velho, só porque velho,
mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a
argüições.
A educação progressista que Freire defende desenvolve a consciência crítica, sendo
que para a transformação social este tipo de consciência é condição primordial. Já a
educação bancária que Freire (2005) descreve trabalha com a consciência ingênua, esta
educação está presente em sociedades divididas em classes e eminentemente capitalistas
que excluem as camadas populares do processo de democratização, designando a estes
apenas uma educação de despejo de conteúdos alheios a ele. O objetivo desta educação é
manter o status quo e formar uma parcela de trabalhadores alienados, que desconhecem a
sua função dentro da sociedade.
3.1 Pedagogia Bancária X Pedagogia do Oprimido
Um dos primeiros contrapontos existentes entre a pedagogia bancária e a do
oprimido é que na primeira a relação comunicativa é unilateral, sendo que corresponde
apenas a um dos lados, quem exerce o poder da palavra é o professor e sua fala é
caracterizada por monólogos.
A educação bancária caracteriza-se pela relação entre o educador (que tudo sabe) e
o educando (que não sabe). O educador por ser aquele que tudo sabe deposita seus
conhecimentos nos educandos, que na sua total ignorância recebem passivamente os
conhecimentos.
38
Nesta condição o aluno é mero ouvinte. Como conseqüência deste procedimento
baseado na fala temos uma cristalização da realidade, pois o aluno não participa do
processo, pelo qual deveria ser sujeito ativo. Freire (2005, p. 65), explica a condição do
professor:
[...] o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real
sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos dos conteúdos de
sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da
totalidade em que se engendram e me cuja visão ganhariam significação. A
palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que deveria
ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante.
Daí que seja mais som que significação, assim, melhor seria dizê–la.
Nesta citação temos a definição da pedagogia bancária. Freire quando fala em
encher é realmente o significado de depositar conteúdos desvinculados da realidade nos
alunos, como são recipientes devem cumprir a tríade receber, memorizar e arquivar. Esta
“habilidade” de processar e memorizar a informação são averiguados pelo educador através
das avaliações. Entretanto, este conhecimento insignificante não serve para ser utilizado no
cotidiano dos alunos, assim, há uma dicotomia entre a escola e a vida cotidiana.
Se apenas fosse transmissora de conhecimentos talvez os danos não fossem tão
grandes, mas além disso, transfere valores, comportamento, modos de agir e de aceitar
passivamente condicionamentos. Em suma, forma uma personalidade passiva, apática, sem
identidade, nem opinião, acrítica. A escola nesta dimensão é uma extensão da sociedade
opressora, que baseia suas relações através da cultura do silêncio.
Segundo Paulo Freire os oprimidos, neste panorama, são vistos como os “anormais”
da sociedade. Freire (2005, p. 69) expõe o pensamento desta pedagogia bancária: “Os
oprimidos, como casos individuais, são patologia, da sociedade sã, que precisa, por isto
mesmo, ajustá-los a ela, mudando–lhes a mentalidade de homem ineptos e preguiçosos”.
39
Como já dito anteriormente, na educação bancária o objetivo é manter tudo como
está dentro da sociedade, manter a classe dos pobres que servem como mão de obra barata e
a classe dos ricos que dirigem os negócios e governam estes trabalhadores. Estes primeiros
já incorporaram que são incapazes e desajustados a sociedade, por tanto ouvir de seus
superiores, e crêem que esta sociedade que os marginaliza é boa. Então Freire (2005, p.70)
conclui que “Daí que a educação bancária, que a eles serve, jamais possa orientar-se no
sentido da conscientização dos educandos”. Pois a conscientização é o primeiro passo para
a mudança. Diz Freire (1983, p.106):
[...] é próprio da consciência crítica a sua integração com a realidade,
enquanto que a ingênua o próprio é a superposição à realidade. (...) a
propósito da consciência fanática, cuja patologia da ingenuidade leva ao
irracional, o próprio é a acomodação, o ajustamento, adaptação.
Nesta prática desumanizante, o homem não se torna participante e integrante da
realidade, é moldado, adaptado ao sistema, ou seja, a sociedade permanece imutável e
quem precisa se ajustar é o homem. Ele está imerso nela, é como se não estivesse presente
dentro dela, é “puramente espectador do processo”, o que ocorre é que entende que as
relações sociais são inerentes a ele e não há nada que possa ser feito. Este panorama dá
margem a outra questão que Freire (2005, p.72) conceitua: “Sugere uma dicotomia
inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os
outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência
como algo espacializado neles e não aos homens como ‘corpos conscientes’.”.
Assim tudo caminha a favor do dominador, os homens se tornam cada vez mais
passivos graças a educação imposta pelo dominador. Quanto mais passivos mais adaptados
ao mundo capitalista. Mas isto não ocorre por acaso, há um objetivo que norteia esta prática
massificadora. A este respeito Freire (2005 p.73) explica:
40
[...] um dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não estejam
advertidos muitos do que realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar
autêntico. Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos
‘conhecimentos’, nos chamado ‘controle de leitura’, na distancia entre
educador e os educandos, os critérios de promoção, na indicação
bibliográfica, em tudo, há sempre a conotação ‘digestiva’ e a proibição ao
pensar verdadeiro.
Antagonicamente a está prática desumanizante e massificadora, temos a proposta de
Freire e sua defesa por um ensino que valorize o homem, desenvolva suas capacidades e
corresponda com a própria natureza do ser humano que é de se humanizar e ser mais dentro
da sociedade configurando-se participante e principalmente transformador de uma realidade
injusta e discriminatória. Freire (1977, p.40 e 41) expõe a natureza e condição do homem
na sociedade:
[...] a vocação do homem é a de ser sujeito e não objecto. A falta de uma
análise do meio cultural corre o perigo de realizar uma educação préfabricada,
hiper-postiça – e, por isso inoperante que não está adaptada ao
homem concreto a que se destina. (...) A educação para ser válida deve ter
em conta por um lado a vocação ontológica do homem – vocação de ser
sujeito – e as condições em que ele vive: num preciso lugar, em tal
momento, em tal contexto.
Para atingirmos o ideal e superarmos a educação que discrimina e introduz
preconceitos na sociedade é necessário que primeiramente haja uma modificação das
relações sociais existentes nesta prática, sendo elas definidas no educando e no educador.
Nesta nova práxis haverá uma relação dialética através do diálogo, que será à base desta
proposta. Com o diálogo o professor dominará o que o aluno conhece os seus argumentos
para a problemática social objetivando interferir nos conhecimentos equivocados. Sobre a
importância das relações Freire (2005, p. 79) afirma:
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que ,
enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em
que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem.
41
Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar
sendo com as liberdades e não contra elas.
Entretanto o nível de conhecimento não se estagna somente no que o educando
conhece, pelo contrário, é preciso superar por incorporação para compreender melhor o
conhecimento estruturado, crítico e argumentativo. Freire (2005, p. 80) explica:
Pelo fato mesmo de esta prática educativa constituir-se em uma situação
gnosiológica, o papel do educador problematizador é proporcionar, com os
educandos, as condições em que se dê a superação do conhecimento no
nível da doxa pelo verdadeiro conhecimento, o que se dá no nível do logos.
Partindo da realidade social, o educador reconhecerá as necessidades a serem
supridas, as idéias equivocadas e o conteúdo a ser trabalhado com os educandos. Através do
diálogo o professor investigará seus alunos a fim de estruturar um trabalho pedagógico que
mobilize a todos os envolvidos neste processo de conscientização. Dentro deste processo de
conscientização, temos a valorização do homem como ser histórico e atuante na sociedade
que é o que nos diferencia dos animais, esta ação é um dos primeiros momentos para a
tomada de consciência, é compreender a sua própria história. Reconhecer a própria história
é se situar no tempo e espaço, é reconhecer o contexto que está inserido, é estabelecer
relações entre eu–mundo–outro. É perceber que estas relações são mediadas pelo mundo, e
o mundo é o objeto cognoscente que se deseja desvendar, é o olhar crítico e clínico sob o
mundo, é ‘ler as entrelinhas’. Diz Freire (2005, p.106 e 107):
E é como seres transformadores e criadores que os homens, em suas
permanentes relações com a realidade, produzem, não somente os bens
materiais, as coisas sensíveis, os objetos, mas também as instituições
sociais, sua idéias, suas concepções. (...) ao contrário do animal, os homens
podem tridimensionar o tempo (passado – presente - futuro) que, contudo,
não são departamentos estanques, sua história, em função de suas mesmas
criações, vai se desenvolvendo em permanente devenir, em que se
concretizem suas unidades epocais.
42
Investigar e conhecer a realidade dos educandos são os alicerces desta pedagogia. Ir
a campo, dialogar com a comunidade para que futuramente possam ser estabelecidos os
temas a serem desenvolvidos são os pré-requisitos básicos para a pedagogia do oprimido.
Toda investigação temática de caráter conscientizador se faz pedagógica e toda autêntica
educação se faz investigação do pensar (FREIRE, 2005).
Neste modelo não há currículos pré-estabelecidos, não há disciplina estanques. Isto
não quer dizer que Freire nega a ciência, pelo contrário, ao elencar os temas, é necessário
um estudo preciso e profundo de cada um destes, as origens, circunstância que se dão,
causalidade e etc.
Podemos perceber que há uma globalidade nos estudos dos temas, ou seja, a
construção do conhecimento não se baseia em conhecimentos fragmentados, Freire (2005
p.133) expõe um exemplo:
O tema desenvolvimento, por exemplo, ainda que situado no domínio da
economia, não lhe é exclusivo. Receberia, assim, o enfoque da sociologia,
da antropologia, como da psicologia social, interessadas na questão do
câmbio cultural, na mudança de atitudes, nos valores, que interessam,
igualmente, a uma filosofia de desenvolvimento.
Diante desta explanação, podemos analisar que Freire não estabelece a construção
do conhecimento como uma receita muito bem elaborada, muito pelo contrário, Freire
denuncia a sociedade de classes, capitalista e preconceituosa, conseqüentemente nega o
formato de educação inserida nesta sociedade que apenas advoga a favor dos dominadores.
Como defensor de práticas críticas e progressistas Freire (2005) expõe a condição do
educador, define as características de sua pedagogia para obter resultados que possibilitem
aos marginalizados das sociedade o direito de SER e também de TER, pois na sociedade
capitalista o que mais importa é o verbo TER, ter posses, ter status, ter dinheiro.
43
Os marginalizados não possuem este pré-requisito para participação social e com a
educação bancária o direito de SER também lhes é amputado. Entretanto, se rompermos
com este tipo de educação e implantarmos um ensino que possua a dialética entre
quantidade e qualidade o direito de ser já é garantido e o ter torna-se uma possibilidade,
porém não estamos falando num Ter no sentido mais profundo, é um Ter que, no mínimo,
garanta aos pobres os direitos básicos: o direito à saúde, à alimentação, à moradia, à
emprego e etc. É a possibilidade de orientar o homem a voltar a suas origens, que é o de ser
mais e ser humano, é o direito de transformar, mas acima de tudo ser consciente do que faz,
é ser solidário com o outro e enxergar no outro o próprio eu, é viver a práxis. Freire (2005
p.141):
[...] os homens são seres da práxis. [...] como seres do quefazer ‘emergem’
dele e, objetivando-o podem conhecê-lo e transformá-lo com seu trabalho.
[...] Mas, se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer
é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma
em que o quefazer é práxis, todo fazer do quefazer tem de ter uma teoria
que necessariamente o ilumine. Oquefazer é teoria e prática. É reflexão e
ação.”
Assim, Freire nos conduz à reflexão crítica da sociedade, do mundo, nos faz pensar
sobre as relações de poder, para a construção de uma nova práxis pedagógica que valoriza o
ser em sua integridade.
44
4. APROXIMAÇÕES ENTRE A TEORIA DE PIAGET E A DE PAULO FREIRE
No primeiro e segundo capítulo exploramos a concepção de conhecimento e
aprendizagem de Piaget e de Freire.
Nesse capítulo buscamos as semelhanças existentes nas teses elaboradas por Jean
Piaget e Paulo Freire sobre a Educação e, em particular, sobre aprendizagem.
O que nos é mais visível é que ambos negam o modelo tradicional de educação.
Enquanto Piaget nos apresenta a educação tradicional como empirista, Freire a
denomina como pedagogia bancária e expõe a ideologia intrínseca nesta concepção,
portanto a essência é a mesma. A crítica que fazem a educação tradicional é devida ao seu
caráter seletivo, discriminatório e ineficaz. A escola tradicional oculta responsabilidades, se
coloca na posição de vítima frente os problemas e transfere a culpa aos alunos, que se
caracterizam nesta prática como incapazes, inoperantes, ignorantes, passivos.
Na defesa por uma educação de qualidade, percebemos que ambos embasam suas
teorias na ação, na conscientização, enfim num método que conduza o educando à
autonomia, a criatividade, curiosidade e a inventabilidade. Defendem que uma nova
educação faz-se necessária para que mudanças sociais ocorram.
Para Freire estes alicerces são encontrados dentro da própria sociedade, na
conscientização, na investigação de temas geradores, no diálogo entre iguais. Já para Piaget
a reestruturação está em implantar uma pedagogia ativa na educação das crianças, incluindo
a psicologia na educação como forma de organizar e orientar o trabalho do educador.
Considera que o educador que tem domínio da psicologia do desenvolvimento infantil
conhecerá mais as crianças e poderá melhorar a sua prática, pois poderá estruturar
estratégias de trabalho que sejam condizentes com as necessidades infantis.
45
Freire e Piaget advogam, também, por uma boa formação de professores, formação
esta crítica e dialógica. Com educadores conscientes e conhecedores profundos das relações
e realidades sociais, poderemos construir novas relações, que possibilitarão aos educandos
desvendar o mundo do conhecimento, o mundo da informação, o mundo político, o mundo
da cultura, o mundo social e orientar para que o educando se descubra como ser histórico e
produtor de cada um destes mundos. Afirma Freire (2001):
O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo
conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure
a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não
sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe
coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de
iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua
capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua
experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro
que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se
funda na análise crítica de sua prática.
Piaget não nega os conteúdos como muito se afirma. Defende que o educador utilize
estratégias que mobilizem os alunos a participar e a descobrir o mundo. Afirma que o
importante é que o professor concilie a utilização do concreto para a construção do
conhecimento de modo significativo. Considera igualmente importante partir dos
conhecimentos prévios do aluno, para contextualizar aquilo que se ensina. Freire também se
importa com estas questões. Contextualizando seu trabalho com a realidade do educando, o
educador partirá do conhecimento do nível da doxa, que são os conhecimentos que a
criança adquire nas relações sociais e no cotidiano, e superará este nível por incorporação
alcançando o nível do logos, que é o conhecimento sistematizado.
Na atual realidade, infelizmente os professores não são autônomos para delimitarem
os rumos da educação, não são livres para estruturar o currículo com seus alunos, pois
dentro das relações hierárquicas são cobrados de seus superiores a contemplação de todos
46
os conteúdos, pré-dispostos em parâmetros nacionais. Ou seja, há toda uma contrariedade
com que Piaget e Freire defendem que é a necessidade de buscar na prática social de seus
educandos os conteúdos ou temas a serem trabalhados. Com os parâmetros o que temos é
universalização de conteúdos, as crianças de diferentes regiões estudarão os mesmos
conteúdos. É como se todos vivessem uma mesma realidade.
De modo intrínseco, Piaget e Freire expõem uma das capacidades do professor que
é a de contextualizar o conhecimento. Tornando a construção do conhecimento algo
dinâmico e ativo. Negando deste modo qualquer forma de conteúdo que apenas aliena e
molda os alunos para a ordem social e econômica vigente.
Para a construção do conhecimento crítico é necessário que as relações sociais na
educação sejam reestruturadas. Na perspectiva de Freire temos a defesa por uma educação
baseada na relação dialógica e dialética entre educador e educando. Em Piaget temos a
relação simétrica e o respeito mútuo entre os sujeitos da educação. Negam, portanto, o
modelo tradicional que coloca o professor como o grande sábio e o aluno como ignorante,
pelo qual a comunicação se caracteriza pelos monólogos do possuidor de conhecimentos
aos seres ignorantes. Educador e educando são sujeitos da educação, aprendem e ensinam
ao mesmo tempo. Diz Freire (2001):
É que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do
que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina
e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal
maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um
conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira
como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinandose,
sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas,
acertos, equívocos.
47
As teorias de Piaget e Freire se assemelham, também, ao colocarem a ação como
condição necessária a uma educação que tem como objetivo a qualidade, a transformação, a
mudança. A ação como sinônima da significação é um ato que embasa o conhecimento
crítico. Este conhecimento significativo é exposto por Freire13 apud Becker (1997, p. 104):
“o ato de conhecer ilumina a ação que é fonte de conhecer”.
Freire coloca como necessário para a educação o diálogo, que pressupõe trocas
entre sujeitos. Através do diálogo, os sujeitos podem pensar juntos e recriar a realidade,
desde que este diálogo tenha como fundamento a verdade. Diz Freire (2005, p. 90): “(...) a
palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra
não é privilegio de alguns homens, mas direito de todos os homens”.
A palavra verdadeira possibilita a dialética da ação e reflexão que
conseqüentemente viabilizará a conscientização. Estes processos são essenciais para a
educação problematizadora.
Na pedagogia libertadora, Freire coloca a tecnologia como instrumento para
possibilitar ao educando a ação sobre o objeto de estudo. Por meio da tecnologia o aluno
conceberá novas visões de mundo, pois não assimila passivamente o conteúdo, mas
trabalha com ele de diversos modos. Assim Gadotti (1997) caracteriza Freire como um
construtivista crítico:
Aprende-se quando se quer aprender e só se aprende o que é significativo,
dizem os construtivistas. Paulo Freire também foi um dos criadores do
construtivismo, mas do construtivismo crítico. Desde suas primeiras
experiências no nordeste brasileiro, no início dos anos 60, ela buscava
fundamentar o ensino-aprendizagem em ambientes interativos, através do
uso de recursos audiovisuais. Mais tarde reforçou o uso de novas
13 Freire, Paulo. Conscientizar para libertar. In. : Torres, Novoa, Carlos Alberto. A práxis educativa de Paulo
Freire. São Paulo: Loyola, 1979, p. 105-180.
48
tecnologias, principalmente o vídeo, a televisão e a informática. Mas não
aceitava a sua utilização de forma acrítica.
Para Piaget também é através das ações que o sujeito extrai o conhecimento. Pela
via da experiência física e lógico-matemática o indivíduo estrutura seu conhecimento. Agir
sobre as coisas de forma consciente e autônoma permite transformar, interagir, relacionar.
Estes pensamentos norteiam a escola a ser arquitetada.
Como citamos no primeiro capítulo, Piaget (1973, p.14) expõe a importância da
assimilação, que esta em ter consciência do que se faz através da ação, operação e
manuseio por parte do sujeito sobre o conhecimento. Esta significação está em trazer para a
realidade aquilo que se aprende. É utilizá-lo para transformar a sociedade atual.
Piaget defende a escola que seja inovadora, que seja ativa, que motive o sujeito a
realizar suas descobertas. Que faça com que educando possa se ver dentro da educação,
como parcela importante do processo de ensino-aprendizagem. É uma educação
compromissada com suas responsabilidades e conhecedora de sua importância para a
mudança social. Por isso, este epistemólogo elogia a escola nova. Diz Piaget (1974, p. 48):
O interesse não é outra coisa, com efeito, senão o aspecto dinâmico da
assimilação. Como foi mostrado profundamente por Dewey, o interesse
verdadeiro surge quando o eu se identifica como uma idéia ou objeto,
quando encontra neles um meio de expressão e eles se tornam alimento
necessário à sua atividade. Quando a escola ativa exige que o esforço do
aluno venha dele mesmo sem ser imposto, e que sua inteligência trabalhe
sem receber os conhecimentos já todos preparados de fora, ela pede
simplesmente que sejam respeitadas as leis de toda inteligência.
Como podemos perceber ambos podem ser considerados como otimistas da
educação, pois vêem nela a chave para a resolução de muitos problemas de ordem social e
econômica. Concordamos com esta visão de que uma educação que mobiliza os
educandos, que os faça sentir sujeitos históricos e autônomos, pelo qual sentimentos de
respeito mútuo e afeição envolvem as relações interpessoais são valores necessários para
49
transformação do mundo capitalista. Também não pactuam com as mazelas que a educação
tradicional acarreta para a sociedade. Diz Freire (1996, p.115) enfático:
Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de
discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das
classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que
inventou esta aberração: a miséria na fartura.
Freire caracteriza a implantação da metodologia dialógica como algo utópico e não
idealista. Pois a posição idealista pressupõe que seja necessária a mudança da estrutura
educacional, social e econômica. Freire14 apud Becker (1997, p. 103) define a utopia: “[...]
a utopia é, por um lado, um ato de conhecimento da realidade opressora que será
denunciada – é, por outro lado, compromisso histórico permanente com a transformação
desta mesma realidade.”
Freire e Piaget expõem que para a transformação dos paradigmas educacionais é
necessário uma mudança na postura do educador e na sua formação. Para que ele possa
modificar primeiramente os educandos, conduzindo-os a conscientização, à ação-reflexão,
para futuramente pensarmos em mudanças de maiores proporções. Consideramos estas
perspectivas algo desejável e importante para toda sociedade. É necessário que os
precursores da educação, que são os educadores: rompam com o modelo tradicional de
educação, que como já fora mencionado apenas marginaliza os oprimidos; neguem a
condição que o capitalismo nos oferece que são as diferenças sociais e o preconceito sobre
os menos favorecidos.
14 Freire, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação; uma introdução ao pensamento de Paulo
Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979, p. 97.
50
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como um dos objetivos definidos quanto ao estudo das concepções de Piaget e
Freire era desmistificar ou confirmar as críticas que sofrem estes teóricos. Concluímos
através de nosso estudo que ambos se assemelham e as críticas não passam de uma má
leitura de suas obras. Já que propõem uma nova metodologia para superar o modelo de
educação autoritário e antidemocrático da educação tradicional.
Piaget e Freire de modos diferentes explicam o processo de aprendizagem que em
sua essência é a mesma. Piaget utiliza os termos biológicos para explicar os processos
cognitivos que ocorrem. Considera importante para a construção do conhecimento o
desenvolvimento orgânico, as experiências físicas e lógico-matemáticas e
conseqüentemente sua adaptação ao meio social. Em suma, a atividade, a ação é que
nortearão o processo de ensino aprendizagem. Freire considera importante as relações
dialéticas intrínsecas na educação, propõe a ação-reflexão como fonte para a
conscientização e para a mudança social. A ação-reflexão se caracteriza por um movimento
circular, ou seja, não tem fim em si mesma. O sujeito age, pensa o que fez e novamente age
de modo reflexivo.
Esses autores procuram uma nova prática para a Educação, baseada na crítica dos
processos que perpetuam a alienação, da relação monológica, da escola que reproduz o
conhecimento, da educação sem criatividade, criticidade, reflexão.
Mas, principalmente inserir nesta nova educação o ato criativo, a ação cultural para
obtermos a conscientização, nos termos de Freire. Inserir esquemas de assimilação ao ato
cognitivo para obtermos a significação, a tomada de consciência, mencionando deste modo
Piaget, que se dedicou a formulação de uma epistemologia genética que entendesse o
conhecimento como construção histórica e social.
51
A educação não pode prescindir da contribuição desses teóricos (Piaget e Freire),
que proporam uma educação como prática da liberdade, do sujeito histórico e
transformador, do humanismo.
Neste trabalho buscamos apresentar uma fundamentação teórica que proporcionasse
suporte às mudanças na práxis do educador que possui valores éticos e compromisso
profissional com seus educandos. Este objetivo foi alcançado.
Foi extremamente válido realizar este trabalho, pois pude estudar a teoria de Jean Piaget
(desconhecida até o inicio desta monografia) e aprofundar as idéias de Paulo Freire, pois
proporam uma educação que evidenciasse a ação e a reflexão como forma de democratizar
os conhecimentos acadêmicos, necessários para a compreensão da realidade atual.
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REFERÊNCIAS:
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